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a.h

Friday, May 23, 2008

A fracassada explicação de Jeffrey D. Sachs


Neste ano, os EUA irão gastar em torno de US$ 800 bilhões com segurança, em comparação com menos de US$ 20 bilhões destinados a desenvolvimento econômico.[1] Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, na Universidade Colúmbia. É também assessor especial do secretário geral da ONU para o programa Metas de Desenvolvimento do Milênio. Artigo publicado pelo “Valor Econômico”:
Muitas das atuais zonas em guerra - como Afeganistão, Etiópia, Irã, Iraque, Paquistão, Somália e Sudão - compartilham problemas básicos na raiz de seus conflitos.
Esses países são, todos, pobres, vítimas de desastres naturais - especialmente enchentes, secas e terremotos - e têm populações em rápido crescimento que estão pressionando a capacidade do solo de alimentá-los. E a proporção de jovens é muito alta, produzindo crescente juventude em idade militar (15 a 24 anos).
Todos esses problemas só podem ser solucionados por desenvolvimento econômico sustentável no longo prazo. Apesar disso, os EUA persistem em reagir aos sintomas, em vez de atacar as raízes subjacentes do problema, e tentam solucionar cada conflito por meios militares. Os EUA apóiam o exército etíope na Somália. Ocupam o Iraque e o Afeganistão. Ameaçam bombardear o Irã. Apóiam a ditadura militar no Paquistão.[2]
Nenhuma dessas ações militares ataca os problemas que originalmente produziram o conflito. Ao contrário, as políticas americanas normalmente inflamam a situação, em vez de trazer soluções.[3]
Repetidas vezes, essa abordagem militar produz reações que voltam para assombrar os americanos. Os EUA apoiaram o xá do Irã enviando enorme quantidade armamentos que caíram nas mãos do governo revolucionário iraniano após 1979.[4]
Os americanos depois apoiaram Saddam Hussein em seu ataque contra o Irã, até que acabaram atacando o próprio Saddam. Os EUA apoiaram Osama bin Laden no Afeganistão contra os soviéticos, e então os americanos terminaram lutando contra bin Laden.[5]
A partir de 2001, os EUA apoiaram Pervez Musharraf no Paquistão com mais de US$ 10 bilhões em ajuda, e agora defronta-se com um regime instável mal capaz de sobreviver.[6]
A política externa americana é assim ineficaz porque foi apropriada pelo establishment militar. Até mesmo a reconstrução do Iraque no pós-guerra sob a ocupação liderada pelos americanos foi administrada pelo Pentágono, e não por agências civis.[7]
O orçamento militar americano domina tudo o que esteja relacionado com política externa. Somando os orçamentos do Pentágono, das guerras no Iraque e no Afeganistão, do Departamento de Segurança Interna, dos programas de armas nucleares e das operações de ajuda militar do Departamento de Estado, neste ano os EUA irão gastar em torno de US$ 800 bilhões com segurança, em comparação com menos de US$ 20 bilhões destinados a desenvolvimento econômico.
Em espantoso artigo sobre a ajuda ao Paquistão durante o governo Bush, Craig Cohen e Derek Chollet demonstraram a desastrosa natureza dessa abordagem militarizada, antes mesmo da mais recente onda de repressão promovida pelo claudicante regime de Musharraf.[8]
Os autores mostram que, apesar de o Paquistão viver enormes problemas de pobreza, populacionais e ambientais, 75% dos US$ 10 bilhões em ajuda americana foram destinados ao militares paquistaneses ostensivamente para reembolsar o Paquistão por sua contribuição para a “guerra ao terror” e para ajudar o país a comprar caças F-16 e outros sistemas de armamentos.
Outros 16% foram diretamente para o orçamento paquistanês, sem quaisquer questionamentos. Com isso, sobraram menos de 10% para assistência ao desenvolvimento e humanitária. A ajuda americana anual ao ensino no Paquistão somou apenas US$ 64 milhões, ou US$ 1,16 por criança em idade escolar.[9]
Os autores apontam que “o rumo estratégico para as relações com o Paquistão foi determinado logo cedo por um estreito círculo no alto escalão do governo Bush e tem se concentrado predominantemente no esforço bélico, em lugar de tomar como alvo a situação interna paquistanesa”. Cohen e Chollet também enfatizam que o “engajamento americano com o Paquistão é extremamente militarizado e centralizado, e muito pouco beneficia a vasta maioria dos paquistaneses”.
Eles citam George Bush como autor da frase: “Quando [Musharraf] me olha nos olhos e diz ‘o Taleban vai desaparecer e não haverá mais al-Qaeda’, você sabe, eu acredito nele?”[10]
Essa abordagem militarizada está empurrando o mundo para uma espiral descendente de violência e conflitos. Cada novo sistema de armamentos que os americanos “vendem” ou dão à região faz crescer os riscos de guerra mais ampla e de novos golpes militares, e aumenta a probabilidade de que as armas venham a ser apontadas para os próprios EUA.[11]
Nada disso ajuda a atacar os problemas subjacentes à pobreza, mortalidade infantil, escassez de água e ausência de fontes de subsistência em regiões como a Província da Fronteira Noroeste, no Paquistão; a região de Darfur, no Sudão; ou na Somália. É cada vez maior a densidade populacional nesses lugares, onde as pessoas sofrem com chuvas insuficientes e pastagens degradadas. Naturalmente, muitos aderem a causas radicais.[12]
O governo Bush não percebe que esses são problemas demográficos e ambientais fundamentais, que US$ 800 bilhões em gastos com segurança não levarão irrigação ao Afeganistão, Paquistão, Sudão e Somália, e que portanto não produzirão paz. Em vez de enxergar pessoas reais em meio à crise, o governo americano vê caricaturas: um terrorista em cada esquina.
Um mundo mais pacífico será possível somente quando os EUA e outros países começarem a ver a realidade através dos olhos de seus supostos inimigos, e perceberem que os atuais conflitos resultado de impotência e desespero, podem ser resolvidos por meio de desenvolvimento econômico em vez de guerras.[13]
Teremos paz quando dermos ouvido às palavras do presidente John F. Kennedy, que disse, poucos meses antes de sua morte, “pois, em última instância, nosso elo básico mais comum é que todos nós habitamos este pequeno planeta. Todos nós respiramos o mesmo ar. Prezamos o futuro de nossos filhos. E somos todos mortais”.[14]
artigo publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3397, de 26 de Novembro de 2007
http://blog.ecodebate.com.br/2007/11/27/a-fracassada-militarizacao-dos-eua-por-jeffrey-d-sachs/

[1] Acho artificial a separação categórica entre “gastos em segurança” e “gastos em desenvolvimento econômico”. Se desenvolver a economia implica em gerar empregos, a segurança não estaria também neste rol de atividades? E, se por “segurança” implica em garantir reservas estratégicas de recursos minerais, como o petróleo, os gastos em segurança não garantem o desenvolvimento econômico?

[2] De uma coisa podemos estar certos: se acabar com os problemas desses países significasse reduzir simplesmente, suas taxas de incremento populacionais, teríamos o menor dos problemas. Bastaria uma ampla campanha de distribuição de anticoncepcionais aliada à orientação de seu uso. Mas, com exceção da Etiópia, todos os países em questão são muçulmanos, com governos mais ou menos fundamentalistas. E mesmo a Etiópia (volta e meia tem cúpulas de orientação marxistas) não é o melhor exemplo de governo pró-ocidental. No curto prazo, para se poder um dia talvez promover o desenvolvimento da maioria das pessoas teria que se anular ou dirimir o poder daqueles que o obstaculizam. Isto é, me refiro às elites plutocráticas ou teocráticas de diversas dessas sociedades. Claro que uma potência, seja ela qual for não vai entrar numa canoa furada de bancar a “Madre Teresa de Calcutá Global” de graça... Não sem garantir certos benefícios em causa própria – aliás, tudo mais ou menos, gira em torno de um cálculo de custo/benefício.
Portanto, como controlar as milícias somalis sem ter que apoiar uma delas e impedir que a guerra étnica ultrapasse fronteiras no Chifre Africano sem fortalecer seu estado vizinho, a Etiópia? Como anular o expansionismo Baath (Iraque) ou os aiatolás (Irã) garantindo estabilidade aos aliados no Golfo Pérsico sem diminuir o poder dos primeiros? Como impedir fundamentalismos crescentes no Paquistão sem o apoio ao governo laico de Musharraf?

[3] As “situações” não se inflamariam por conta própria? Ou só o conseguem graças à influência americana?

[4] Por acaso, o Iraque e a Síria também não eram cortejados pela então URSS? E se os EUA não tivessem apoiado o regime do xá, o que existiria no Irã? Provavelmente, uma ditadura comunista. Ah, se bastasse não investir em armamentos e não apoiar nenhum regime externo... Será que é tudo tão simples assim?

[5] Apoiaram Saddam porque o Irã bloqueou a saída de petroleiros do Golfo; apoiaram o Talebã (e não, pessoalmente, Osama) porque a URSS invadira o Afeganistão; lutaram pouco contra Osama... Nisto erraram, pois se durante o governo Clinton tivessem o atacado sem pudores, talvez evitassem muitos contratempos.

[6] O que significa que o apoio externo não é tudo. Também depende do que o governo apoiado faça, internamente. Como, p.ex., o Paquistão não apoiar os talebãs (que são sua extensão) no Afeganistão.

[7] Em se tratando de assuntos militares, é o Pentágono mesmo quem lidera e não, “agências civis”.

[8] Só o futuro poderá dizer se os gastos militares no Afeganistão, Iraque e Paquistão foram em vão. São projetos de longo prazo. Assim como, só agora podemos ter distanciamento suficiente para entender a Guerra Fria, ainda levaremos algum tempo para julgarmos com propriedade o que está ocorrendo.

[9] A questão é o que o Paquistão fez com 10% em ajuda humanitária. Como os países pobres aplicam os recursos destinados a tais objetivos? Ou será que o simples número fala por si?

[10] Bem... Eu não presto atenção às palavras. Cabe a nós prestar mais atenção aos atos.

[11] E o isolacionismo como política externa também não levaria mais armas a serem apontadas aos EUA? No curto período laureado como “Nova Ordem Mundial” (que parece já ter chegado ao seu fim...), quando o investimento bélico teve uma ligeira estagnação, as guerras etno-tribais na África e Ásia não recrudesceram, igualmente?

[12] Tendências demográficas não serão solucionadas sem uma correspondente adoção e mudança de comportamentos sociais endógenas. Esperar que uma potência estrangeira dê conta de solucionar estes problemas têm como premissa (ingênua) que, realmente, o mundo seja possível ser, politicamente, planificado. Como se os outros povos fossem passiveis de acatar a boa vontade e intenções externas. Darfur mesmo é, claramente, exemplo de como guerras étnicas independem destes movimentos e intenções globais.

[13] Muitos, como o próprio Kennedy foram entusiastas da “política da boa vizinhança” e, no que acabou dando isto? No imediato Pós-Guerra, a América Latina era uma região nevrálgica e recebeu tanto investimentos quanto hoje recebem outras regiões no mundo. Mas, no que deu isto? Se não há um mínimo de vontade (e consciência) política interna, para quais bancos internacionais ou paraísos fiscais vão os recursos?

[14] Belas palavras... Ainda mais quando vindas de um dos principais defensores da permanência das tropas americanas no Vietnã.

* Meus comentários a este artigo se encontram nas notas.

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