interceptor

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O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Monday, April 04, 2005

Choque Civilizacional





Nadim é o nome de um de meus alunos que, como se vê, é descendente de árabe, mas tem mãe espanhola. Ao contrário do que se poderia supor, ele não ficou nenhum pouco contente com o ocorrido naquela Terça-Feira Negra na Costa Leste dos EUA, muito pelo contrário, ficou transtornado. Nadim tinha me perguntado outro dia se eu achava que ele deveria mudar o nome para outro, hispânico. Queria saber se isto afetaria, positivamente, sua possível carreira em Relações Internacionais - que ele pretende cursar na USP ou na UnB -, arcando com um menor grau de preconceito. Eu lhe disse que não acreditava nesta possibilidade, não em nível acadêmico, mas que lhe facilitaria, isto sim, a vida em certos países, no plano social ordinário, além de possuir o "passaporte vermelho" da UE.
Nadim é um dos tantos descendentes de imigrantes que guardam um estigma, reforçado n-vezes após os atentados na terra do Tio Sam. Como ele, muitos guardam uma mácula que irá marcá-los por toda a vida. Não a mácula do terrorista cego pelo paraíso islâmico - também, com 70 virgens e orgasmos de 300 anos.... -, mas aquela derivada de uma fé que, como toda, é cega e que, quando mesclada à política, fede.
Me lembrei muito de Samuel P. Huntington que previu um "choque de civilizações" como sendo o combustível de uma possível 3a Guerra Mundial. Errou - o grande apostador - Marx em sua paranóica luta de classes; erraram os espíritos atormentados da Guerra Fria que menosprezaram a Mutually Assured Destruction (M.A.D., hilário, não?) entre as superpotências de Leste e Oeste; erraram os órfãos do Marxismo ao prever um conflito Norte-Sul (horrível deturpação geográfica). Pelo contrário, os "do Sul" clamam, suplicam para entrarem no clube dos "do Norte". O conflito parece mesmo, entre civilizações que não se compreendem. Isto não me isenta de optar por uma delas, mas não tentar compreende-las é o primeiro passo para a ignorância crônica. No sectarismo islâmico, ninguém pode ousar tentar representar a obra humana melhor do que Alá. Por isso, não há imagens dentro da mesquita, nem se pode pintar um corpo animal ou vegetal ou mineral qualquer, mas a necessidade da arte é grande: então a bela grafia árabe. Se a adoração aos objetos é mal vista, melhor, execrada, mulheres muçulmanas berram com uivos histéricos ao serem fotografadas, temendo ficar estéreis. Por que reproduzir é louvar a obra divina, daí o mero planejamento familiar soar heresia. "Reproduzi como coelhos". Parece outra fé... cega. Então, a adoração aos objetos, o consumo, a satisfação de necessidades tornam-se sinônimos. O país que mais consome torna-se o inferno na Terra e nada como o "mal" para reforçar o "bem". Assim como a carne é fraca, a goela também.... embora o Islã condene a ingestão de álcool, kuwaitianos cruzavam a fronteira do Iraque para tomar umas, já que Saddam era laico antes da Guerra do Golfo. Era, até precisar de apoio e convocar a Jihad, a guerra santa, um dos preceitos básicos da Shari'a, a lei islâmica. Mas, pequenos pecados podem ser tolerados, assim como "passar a mão" em uma mulher cuja mecha de cabelo saia de baixo do chador. Unir o "útil ao agradável", respeitar o Islã e "tirar uma casquinha" eram fatos corriqueiros nesta versão dantesca do paraíso.
Idiossincrasias à parte, há uma grande distância entre isto e a ação coercitiva de um Hamas, Hezbollah, Grupo Islâmico Armado e de uma Taleban. Existe uma distância, mas não uma ausência de lógica entre os preceitos e seus "guerreiros sagrados", assassinos. A diferença é nula na prática.
Me lembrei do Irish Republican Army, o IRA que lutou por duas décadas pela independência do Éire e o conseguiu, atacando alvos MILITARES britânicos. Discutível, mas tão discutível quanto foi a ação conquistadora do "império que nunca vê o Sol se pôr" - o Império Britânico. O divisor de águas parecia ser o apoio popular que, mesmo quando difuso, não deixa de ser um apoio, uma vez que sempre ocorrem divergências quanto ao governo a ser implantado em qualquer processo revolucionário. No entanto, quando exportado para a Irlanda do Norte nos anos 60, o IRA se deparou com uma situação distinta, n-vezes distinta, onde o país dividido, combatia com pedras, uma versão ocidental da Intifada, a etnia rival. Católicos e protestantes apresentavam proporções similares, com ligeira maioria protestante que mantinha e desejava a ligação ao R.U. (Reino Unido da Grã-Bretanha e IRLANDA DO NORTE). Sem apoio, o IRA, já acostumado à clandestinidade passou da GUERRILHA ao TERRORISMO. De 1969 até hoje, cerca de 3.000 morreram, inclusive católicos com bombas colocadas em lojas, metrôs, cinemas e feiras. Tudo em nome da "liberdade religiosa", com Jesus de escanteio.... Como se diz por aqui: perdeu a moral.
Num reducionismo, estas lutas derivariam da opressão imperial, mas não esqueçamos que a colonização sempre foi uma "via de mão dupla". Assim, os bárbaros se "romanizaram" ao invadir o Império Romano e o que herdaram não foi o Circo, mas a lógica do Direito Romano, a Administração, a ordem arquitetônica e urbanística; assim, a Índia não teria se tornado independente em 1947 sem o domínio britânico. Paradoxal? Sem o idioma comum - o inglês - aos vários reinos e principados indianos, eles não se uniriam. Não ficou a hora do chá como maior legado, mas a infraestrutura (ferroviária, dentre outras) e a valorização da educação que produziu vários nomes - hoje temos o prêmio nobel de economia, Amartya Sen.
O maior legado estadunidense não será o hamburger do McDonald's, mas sua indiscutível vitalidade econômica, sede por tecnologia e APREÇO PELA "SOCIEDADE ABERTA". Quando chegar a hora dos EUA, seu espírito permanecerá. Duvidam? Pergunte aos "chicanos" se querem voltar pra Tijuana. Sou ateu, mas uma frase não me sai da cabeça, "God bless America".
No carro, naquele fatídico dia, ouvi um professor da USP dizer que, "uma vez que, as regras internacionais não se encontram claramente estabelecidas.... os EUA também bombardeiam o Iraque....". Vocês podem imaginar o resto do lixo e o rádio escapou por pouco de minhas mãos. Por que, ao professor, não importa distinguir alvos militares de alvos civis, não importa que Saddam utilize "escudos humanos", ocultando arsenais de armas químicas sob hospitais. Não importa, nada importa, sob um pacifismo irresponsável e um pseudo-relativismo cultural.
É óbvio que os EUA retaliarão, o gigante acorda, e espero que o façam bem feito, sem deixar de ocupar o que for necessário. Hoje, Japão e Alemanha são gratos, mesmo que não o admitam, mas seus padrões sociais o atestam e duvido que quisessem retornar ao estado do período e ideologia anteriores.Não faltarão medíocres que apontarão o FMI, a OMC e outros como detentores de culpa direta ou indireta. Pouco resta em suas mentes, à não ser uma nefanda Teoria Conspiratória, tão estrutural nas culturas quanto os rituais do curandeiro ou pajé. Como mostrou Robert Kaplan em seu basilar e verdadeiro Os Confins da Terra, o problema não são os pobres, mas os "menos pobres", aqueles que cursaram a universidade, mas não atingiram o status pretendido, como a Taleban dos estudantes treinados no Paquistão para conter a invasão soviética do Afeganistão, um dos últimos suspiros da Guerra Fria. Que Lúcifer guarde a alma de Brejnev....
Não faltarão medíocres que escreverão que "caiu o muro de Berlim do Neoliberalismo" com o WTC e o Pentágono. Ou como alunos menos saudosos, acham que as Farc cobram só um "pedagiozinho" dos "empresários de produtos não lícitos". O WTC não era um muro, mas um farol que chamuscou-se para o desagrado, a decepção dos alunos afoitos por cenas hollywoodianas que, com hormônios em abundância, anseiam pelo show, ou fósseis vivos que se dizem professores que naquela Terça-feira cantarolavam, transbordantes em alegria. Pobres diabos, ainda não viram a sombra do gigante, ocultos que estão em suas cavernas.... Como dizia Popper, a Sociedade Aberta tem inimigos.
Semanas após a pergunta de Nadim e um dia após o atentado, ele me disse que já não tinha mais dúvidas sobre a mudança de nome. Via que, assim como eu, ele tinha escolhido seu lado, o lado da Liberdade.
Lágrimas correram em meu rosto na estrada durante aquela Terça-feira, lágrimas um tanto infantis e, por isto mesmo, verdadeiras. Lágrimas por mais que uma palavra, um mito, a Liberdade. Meu sonho e o de vários "Nadins", sonho de gente que anseia pela maior Globalização, a cultural. Nela, Alá, Jesus e o resto, seja qual for o messias terão seu lugar, mas seu devido lugar, nos templos, sejam eles materiais ou espirituais.