No dia 17 passado, Carlos Heitor Cony comentou os 40 anos da morte de Che Guevara na
BandNews. Começou “bem” lembrando os “50 anos de sua morte” e terminou “melhor ainda” dizendo que foi um herói que cometeu erros, pequenas falhas como assassinar quem discordasse dos seus propósitos revolucionários. Detalhes para quem o definiu como “maior herói do século XX”! Eu não compreendo mesmo o conceito de herói...
Para o site
Vermelho: a esquerda bem informada em
Goebbels inspira Veja, a revista faz parte de uma “rede mundial de comunicação neomacartista”, cuja matéria histórica “
Che: há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa” põe uma pá de cal no facínora. O site dos fosseis vivos comunistas também critica a analise de Cony porque o mesmo teria chamado Che de um “péssimo administrador”, no que está coberto de razão. Alçado ao posto de Ministro da Economia após a Revolução Cubana, Che não se adaptou e deixou Cuba para fazer o que sabia: matar ameaçando populações a adotar o modelo comunista no Congo e depois na Bolívia onde foi finalmente e, merecidamente morto.
Mas, ouvindo Cony hoje notei que sua constatação não tem boa justificativa. Che teria continuado sua sanha guerrilheira porque era um adepto da “revolução permanente” não aceitando a influência (e direção) soviética, tampouco a de Fidel. Não é bem assim, a teoria da “revolução permanente” de Trotsky não era apenas de continuar a revolução em outros paises, mas de avança-la também nos que já tinham derrubado a burguesia. Caminhando do socialismo e de sua “ditadura do proletariado” ao comunismo, a teoria original marxista, compreenderia
a própria extinção do estado. Apenas lembremos que Trotsky, então Comissário de Guerra da revolução teve em seu currículo de revolucionário, a repressão à Revolta de Kronstadt em 1921, na qual milhares foram executados. Nada mais irreal, portanto, para a práxis que adotava Guevara pinta-lo como um “libertário”, antiestatista ou coisa que o valha. Ele se afinava mais com Lênin na busca pelo poder a qualquer custo do que entrega-lo as massas subordinadas pelo totalitarismo comunista. Cony erra porque é mal informado; os vermelhos do Vermelho, por sua vez, erram porque são deturpadores ou fanáticos (o que dá no mesmo).
Entre fatos e deturpações existem interpretações. Vi muitas opiniões sobre o filme
Tropa de Elite, mas há algo que penso ter escapado entre os que viram a ascensão neofascista no apelo por um
justiciamento e a brutalidade policial como panacéia.
O filme tem o grande mérito de tomar posição em uma sociedade, cujas opiniões costumam ser insípidas. E é disto que o filme trata, das diferentes posições assumidas e suas conseqüências, inclusive da posição de não se posicionar, do “deixa estar” estudantil justificado de modo generalizante pela corrupção policial. No filme, a idiotia esquerdófila da “vitimização social” me pareceu bem ironizada pelo debate sobre Foucault em um curso de Direito. Hilário...
Só tenho duas observações a fazer sobre opiniões recorrentes sobre o panorama tratado no filme:
1ª) A legalização das drogas acabaria com o trafico. Isto, por si só, não basta. Sei que o filme não trata, explicitamente, desta questão, mas gostaria de chamar a atenção para que ninguém interprete mal achando que se sugere que a liberação seja suficiente para conter o crime. Conter o tráfico é uma coisa, conter o crime é outra... Imagine como seria uma simples legalização em nosso país, no qual adolescentes que participam de “rachas” e matam aleatoriamente... Apesar da obrigatoriedade do teste do bafômetro ter entrado em vigor com o Código de Trânsito em 1998, quem se recusar a faze-lo
pode optar por pagar uma multa. O que não ocorreria se o consumo de maconha ou cocaína for legalizado? E se tratar de “
celebridades”, a coisa fica pior ainda. Se a lei é permissiva com os erros de alguns, se abre um precedente para todos.
Mesmo na referenciada Holanda, onde o consumo de maconha é permitido,
não se pode faze-lo em qualquer lugar de modo incondicional. O consumo fora de casa ou dos cafés é crime há mais de oito anos e, além disto, o país assiste há uma tendência inversa, de
fechamento deste tipo de estabelecimento. É disto que nossa sociedade se exime. Assim como quase ninguém pensa sobre o que seria a ação contumaz de uma polícia correta e ordeira. Ou os cariocas e brasileiros em geral querem uma polícia dando batida em quem dá uma cheiradinha na Zona Sul carioca e bairros nobres de nossas metrópoles? A corrupção policial não existe no vácuo, ela é produto nosso. Se realmente queremos mudar as coisas, tem que se ir muito além da liberalização. Parafraseando o velho mestre Adam Smith “
the inhabitant of the breast, the man within, the great judge and arbiter of our conduct”, a liberdade compreende grandes doses de responsabilidade ausentes em nossa cultura.
2ª) Outro dado que acho importante frisar é que com uma polícia tendo que torturar, para obter informações
urgentes, o caso do protagonista do filme, o Capitão Nascimento é sintomático. Não foi a tortura que o levou a uma momentânea perturbação, mas o fato de ter libertado um informante que, sob coação, denuncia comparsas levando-o ao inevitável destino de cruzar o Hades. Sua crise se agrava com a acusação feita por uma mãe de que eles, os policiais mataram seu filho ao liberta-lo. Dentro do raciocínio do policial, a avaliação da mãe corrobora o que pensa sobre ser conivente com o tráfico: em uma das ações retratadas, o mesmo capitão esfrega o rosto de um consumidor no peito aberto de um dos traficantes pelas balas do BOPE acusando-o de ser responsável por sua morte. Outro mérito do filme é este, não cria heróis, mostra valentia mesclada com brutalidade convivendo com o erro.
Nossa sociedade não prescinde da tortura como método recorrente, infelizmente, porque se trata de uma guerra. Mas, é disto que se trata. A guerra é anarquia, falta de lei e império da corrupção. Com uma esquerda hipócrita (redundante, não?) e uma
direita obtusa que vê o combate à corrupção como “perfumaria” estamos em maus lençóis.
Em nosso fantástico país, a morte de policiais não rende paginas de jornal nem consideração nenhuma por parte de jornalistas ou membros da elite cultural, artistas, personalidades ou celebridades. Em paises civilizados, por mais que se desgoste da policia, pelo menos subsiste um certo pensamento utilitarista quando um policial é morto: “
se um bandido tem a audácia de assassinar um policial, imagine o que ele não faria comigo!” Por outro lado, a morte de um verme sanguinolento há 40 anos atrás na Bolívia provoca um rosário de lamúrias de tontos e imbecis que não são capazes sequer de entender o que significa defender a vida alheia. Cultuam assassinos, mas quando seus bens ou vida são ameaçados não titubeiam em clamar pelas “forças de repressão”.
Se o mérito pelos policiais desviarem as balas que seriam destinadas a nós ainda não encontra consenso por alguns, o mérito de Che já foi devidamente assegurado com um tiro de misericórdia no peito.