29/12/2005
Na gestão florestal, PL de Florestas Públicas foi o líder na geração de polêmicas
Mônica Pinto e Redação AmbienteBrasil
Um dos temas mais polêmicos em 2005, no campo da gestão florestal, foi o projeto de lei 4776/05. Integrante do chamado “Pacote Verde do Executivo”, o PL propõe-se a regulamentar a gestão de florestas públicas, abrindo a possibilidade de que estas sejam exploradas pela iniciativa privada.
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Encaminhado ao Congresso no dia 17 de fevereiro, o PL pressupõe que sejam disponibilizados até 13 milhões de hectares de florestas na Amazônia para a concessão de uso sustentável nos próximos dez anos. Seu objetivo apregoado é combater a grilagem e impedir a privatização das terras.
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Em junho, o PL recebeu aprovação unânime na comissão especial que analisou a matéria na Câmara dos Deputados. O relator da matéria, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), acatou 133 das 305 emendas apresentadas pelos parlamentares. No total, Albuquerque sugeriu 20 mudanças na proposta do Executivo.
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ALGUMAS VOZES A FAVOR
Em março, o pesquisador titular do Imazon - Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia -, Adalberto Veríssimo, avaliou que o PL de Gestão das Florestas Públicas vai contribuir para reduzir o desmatamento no Brasil e melhorar a imagem internacional do País.
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Ainda em março, Carlos Aguiar, presidente da Abraf -Associação Brasileira dos Produtores de Florestas Plantadas -, que reúne setores como papel e celulose, energia, painéis e produtos sólidos de madeira, manifestou apoio ao Projeto. "Só vejo essa forma para regulamentar o avanço sobre a Amazônia, gerando recursos e empregos".
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No Rio de Janeiro, em maio, o PL foi elogiado pelo coordenador da Área de Meio Ambiente e Ciência da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - no Brasil, Celso Schenkel. Engenheiro florestal, ele comentou que as concessões florestais em países como o Canadá, por exemplo, são uma forma de disciplinar a exploração florestal e fazer com que o Estado legisle sobre isso, comandando as ações e controle e otimizando técnicas de manejo sustentável.
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"O projeto é um instrumento eficaz para acabar com as indústrias das ATPFs (Autorizações para Transporte de Produtos Florestais), as empresas fantasmas e o envolvimento de servidores que muitas vezes lançavam mão da instituição (no caso, o Ibama) para cometer práticas ilícitas", defendeu a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
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ALGUMAS VOZES CONTRA
Desde que lançado, porém, o PL enfrentou duras críticas, vindas dos mais variados setores. Em 19 de abril, em audiência pública na Câmara dos Deputados promovida pela Comissão Especial de Gestão de Florestas Públicas, o representante da Confederação Nacional da Agricultura – CNA -, Agamenon Menezes, afirmou que a proposta não dá preferência às empresas locais, o que poderia privilegiar as multinacionais. Além disso, haveria lacunas no texto, como a não-definição do que são comunidades tradicionais e do que são florestas públicas, florestas ocupadas e em processo de ocupação.
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Já o presidente do Sindicato das Indústrias de Transformação de Madeiras de Ji-Paraná (RO), Jurandir Almeida, afirmou que é preocupante "constatar que o projeto mantenha a filosofia burocratizante do Ibama, que não ajuda a reduzir a corrupção no setor".
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Mas foi em junho que o combate ao PL ganhou mais contundência, sobretudo porque liderado pelas Associações de Servidores do próprio Ibama. As Asibamas divulgaram um “Manifesto à Nação”, assinado por gente como o geógrafo e professor Aziz Ab’ Saber, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC (leia a íntegra clicando
aqui). Em setembro, o jornalista ambiental Washington Novaes, ex-secretário de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia do Distrito Federal e um dos mais
respeitados especialistas[!] do país na questão ambiental, disse que o PL “tem muitos méritos e direções corretas, mas a prática não tem acompanhado exatamente o que está lá”. Segundo ele, sem um aumento da fiscalização, a concessão de uma terra pública para exploração pode ser apenas um incentivo à depredação. "Não há sinal de melhoras na fiscalização, por isso não há razão para ser otimista".
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TRAMITAÇÃO
Em 07 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do deputado Beto Albuquerque (PSB/RS) ao PL 4776/05. O texto recebeu 140 emendas. Entre as modificações na proposta original, estão a restrição do Serviço Florestal Brasileiro às florestas públicas e o fim da possibilidade de renovação dos contratos de concessão até um máximo de 60 anos. O teto para concessão de matas é de 40 anos.
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Em 21 de setembro, as Comissões de Meio Ambiente e de Assuntos Econômicos do Senado aprovaram pareceres favoráveis ao Projeto de Lei, o mesmo ocorrendo, em 04 de outubro, na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
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ANSIEDADE DO SETOR MADEIREIRO LEGAL
Enquanto o Senado não leva o PL à votação, empresas madeireiras que operam com base em planos de manejo certificados pelo FSC ( Forest Stewardship Council ) viram-se impedidas de trabalhar, o que ocasionou falências no setor.
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Em 07 de dezembro, o presidente do FSC - Conselho Diretor do Conselho de Manejo Florestal no Brasil, Rubens Gomes, pediu, na abertura da 4ª Assembléia Geral do FSC, em Manaus (AM), que os 317 delegados, vindo de 60 países, apoiassem o Projeto de Lei que trata da Gestão de Florestas Públicas.
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Seu principal argumento foi que hoje o grande entrave legal ao aumento da área de manejo florestal certificado no país reside no fato de 75% da Amazônia ser composta de florestas públicas, cuja exploração por particulares só pode acontecer por processo de licitação (que não inclui fatores ambientais na concorrência e limita o prazo dos contratos a cinco anos).
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"Precisamos criar dificuldades para a exploração ilegal e facilidades para as boas práticas de manejo. A Amazônia não pode virar um deserto porque não tivemos força política suficiente para defendê-la", alertou Gomes.
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AMAZÔNIA SOB AMEAÇA
Em maio, o anúncio de um recorde nos índices de desmatamento na Amazônia - 26.130 quilômetros quadrados, entre 2003 e 2004 -, a segunda maior área desde 1995, acirrou críticas quanto ao trabalho do Governo Lula neste setor.
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Em dezembro, o Governo informou que cerca de 18,9 mil quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia entre agosto de 2004 e julho de 2005, número 30% menor que o registrado no período anterior de 12 meses (entre agosto de 2003 e julho de 2004). Os dados foram obtidos por satélites do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -, que realizaram a medição em 87% da região amazônica.
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A redução foi atribuída à ofensiva do Governo, junto com o Ministério Público e a Polícia Federal, na chamada Operação Curupira, que ocorreu em 16 municípios de Mato Grosso, Distrito Federal e mais seis Estados.
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A operação foi resultado de 20 meses de investigação. A quadrilha – composta por madeireiros, despachantes e funcionários do Ibama no Mato Grosso – atuava havia 14 anos. Apenas nos últimos dois anos, teria sido responsável pela extração ilegal de quase 2 milhões de metros cúbicos de madeira, o equivalente a 76 mil caminhões carregados do produto. Só no Mato Grosso, foram identificadas 431 empresas fantasmas, que existiam apenas no papel.
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O trabalho prosseguiu em agosto, com o desencadear da Operação Curupira II, em Mato Grosso, Rondônia, São Paulo e Santa Catarina. Mais de 148 pessoas, dentre elas 59 empresários e 49 servidores do Ibama, foram presas.
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DESCRENÇA
Organizações não-governamentais não receberam a notícia da redução do ritmo do desmatamento na Amazônia com tanto entusiasmo, conforme registrou O Estado de São Paulo. Apontaram que a área anual desmatada, embora tenha sido menor de um ano para outro, continua enorme: quase do tamanho de Sergipe. "Desmatamento não é emprego. Se tiver 8% de desemprego em certo mês e 6%, em outro, podemos dizer que diminui o desemprego, ou seja, alguns desempregados passaram a ser empregados", disse a ONG Amigos da Terra, num editorial publicado online. Já no caso do desmatamento, a floresta que estava desmatada não voltou a crescer. Pelo contrário, a área total desmatada aumentou 2,5%, segundo o diretor da ONG, Roberto Smeraldi.
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SECA
Em agosto, a Amazônia também começou a enfrentar a pior seca dos últimos 40 anos. As conseqüências do fenômeno foram a ocorrência de incêndios, doenças e a morte de peixes. O nível dos rios chegou a patamares tão críticos que vários municípios e comunidades ficaram isolados. Governos estaduais e o Exército auxiliaram a população de 61 municípios castigados pela falta de chuva.
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