Sobre:
Why suburbs, not cities, are the answer.
BY JOEL KOTKIN
Não endosso simplismos urbanistas. Se as cidades são palco de diversos problemas, negá-las em seus benefícios apoiando (implicitamente), uma dispersão induzida pelo estado não é solução, embora isto não esteja explícito no texto em questão. Não é porque sou um apreciador das baixas densidades que acho que o mundo globalizado possa prescindir dos nucleamentos urbanos. Pelo contrário... Quem vive em periferias urbanas como eu, não passa de um parasita do sistema. No entanto, não creio que todos nós devamos buscar um modelo mais racional de vida urbana em áreas mais adensadas, porque existindo o centro existe a periferia. A própria definição de um é contrapartida do outro, mas endosso sim o ponto de vista de que quem onera mais o tesouro (residindo em áreas mais afastadas que demandam infra-estrutura) tenha que pagar (proporcionalmente) mais. É mercado. Se eu quero o canto do sabiá em minha varanda, isto deve ser tratado como uma commodity de luxo pela qual tenho que pagar.
“And many of the world's largest advanced cities are nestled in relatively declining economies -- London, Los Angeles, New York, Tokyo. All suffer growing income inequality and outward migration of middle-class families. Even in the best of circumstances, the new age of the megacity might well be an era of unparalleled human congestion and gross inequality.”
Sinceramente, este argumento me soa tolo. O congestionamento é uma externalidade que demanda inovações, sem as quais a economia como um todo estagnaria. E as desigualdades internas na cidade não são um problema de fato (são problemas de percepção...), na medida em que o estrato inferior vive, muitas vezes, melhor do que o estrato médio de regiões rurais atrasadas. O problema (de percepção) é que damos valor exagerado à desigualdade que no fundo é apenas diferença porque há gente enriquecendo, enquanto que deveríamos ver sim a capacidade de reprodução social dos mais pobres: como estão? Melhores ou piores que tempos atrás? Se atualmente vivem em curva ascendente de riqueza, então não é um problema de fato.
Eu discordo também deste argumento:
“Arts and culture generally do not fuel economic growth by themselves; rather, economic growth tends to create the preconditions for their development.”
Isto contradiz o que aprendi sobre a evolução cultural e social. Se pensarmos em termos de Renascimento, p.ex., não dá para imaginar primeiro um crescimento econômico independente da criação artística e científica. Até onde sei, se trata de um processo de alimentação contínua e recíproca.
Dizer que Frankfurt tem uma taxa de desemprego menor que Berlim é uma meia verdade quando avaliamos o conjunto da obra, de que Berlim atrai migrantes que sofrem com o desemprego em outras cidades, inclusive Frankfurt. Falta ao artigo uma análise de rede de cidades ao invés de tratar as cidades como “universos em si” independentes umas das outras.
Outra coisa que me espantou neste texto é tratar os custos de vida, com moradia e transporte nas grandes cidades como maiores e, portanto, “injustos” para a “classe trabalhadora”. Ora, isto é mercado que se ajusta! É uma maneira de se regular o acesso. Se há mais demanda, óbvio que o custo deve aumentar. Isto deveria ser elogiado como mecanismo de freio (ou, ao menos, de dissuasão) e não como “problema”. A impressão que passa (e acho que é este o intuito) é de que o autor deve endossar um planejamento que obrigue a dispersão habitacional para, artificialmente, baixar custos de moradia sendo que alguém vai, inevitavelmente, pagar por eles. De um modo autoritário, isto reeditaria o velho planejamento urbanístico que, por sua vez, é gerador de outras graves distorções. Analogamente, o autor frisa custos ambientais maiores das grandes cidades relevando os custos de vida em áreas dispersas. Como eu disse, eu prefiro morar afastado, mas tenho consciência de que isto deve ser pago em termos proporcionais. Querer que uma opção individual como a minha sirva de modelo é apostar na igualdade e uniformidade de opções que vai em sentido contrário da própria escolha da população. Meu argumento pode parecer simplista e não fundamentado, mas pelo menos tenho consciência do mesmo e não estabeleço cortes analíticos ao privilegiar critérios de padrões de moradia esquecendo-me da complexidade do todo que envolve mais que um espaço intra-urbano contra outro, Centro VS. Periferia.
Dizer que as grandes cidades têm favelas e que estas estão em crescimento é como criticar um padrão de moradia melhor do que a área de origem sem citar esta, mas comparando o primeiro com outros padrões superiores. Isto é, o autor critica um tipo de (sub)moradia com moradias melhores sem lembrar que os moradores das primeiras tinham, em sua origem, condições piores. Outro dado, que podemos obter da obra de
Hernando de Soto é que o que chamamos costumeiramente de “favelas”, mas que apresentam diversos padrões ao redor do globo é um sintoma de dificuldade de acesso a propriedade e não, um lócus deficiente por natureza devido ao crescimento demográfico tão somente. Neste sentido, Joel Kotkin envereda por uma análise quantitativa sem levar na devida conta suas causas (qualitativas). Veja bem... Segundo o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), 60% das moradias de Florianópolis, a capital de um estado, não possui escritura pública. Isto é, são “favelas” na definição hodierna, não constituindo propriedades legais, mas apenas terrenos de posse com edificações/construções ilegais
em cima. Ora, isto não quer dizer que sejam, de todo, moradias ruins, mas sim, moradias sem aporte legal. A causa está no marco institucional e a conseqüência, esta sim, é que os efeitos/externalidades provocados se aproximam/igualam a das chamadas favelas precárias em termos de poluição e danos causados ao meio ambiente natural e social. Trata-se de uma perversão político-administrativa e não de simples localização como sugere o autor.
Isto é um disparate:
“With the exception of Los Angeles, New York, and Tokyo, most cities of 10 million or more are relatively poor, with a low standard of living and little strategic influence.”
“Relativamente pobre” em relação a quem ou o quê? Que absurdo! São muito mais ricas que a imensa maioria e, claro, que se pegarmos a média, talvez sejam mais pobres do que cidades médias que dependem fundamentalmente desses centros geradores de riqueza, que são as grandes cidades. Reitero, é um grave equívoco tomarmos as cidades isoladamente sem avaliarmos o conceito de rede de cidades. Muitos dos negócios situados em vales-isso, vales-aquilo (referência ao Vale do Silício e outros clusters pelo autor) têm escritórios que os administram justamente em centros urbanos de maior aporte onde os negócios e concepções, designs são feitos e elaborados gerando a economia bilionária. Não podemos simplesmente privilegiar um setor, o de alta tecnologia esquecendo todo o resto para concluir que as mega-cidades não são seus lócus privilegiados.
Não pretendo cair no extremo oposto do artigo, colocando as grandes cidades como “mais importantes”, mas a análise fragmentada do artigo tem que ser denunciada como portadora de grave viés.
Mas há sim um ponto positivo no texto, a violência e insegurança urbana (que são ataques contra a propriedade, aí o problema) geradas nas grandes cidades. Talvez este seja o verdadeiro indutor de uma dispersão urbana ainda, precariamente, avaliado. Em que pese ser verdade, as periferias renovadas, os subúrbios ainda se conectam com os centros dos quais mantêm relações criando “novas centralidades” e reproduzindo modelos urbanos em outras áreas. No entanto, chamar estas áreas de “zonas rurais” é outro equívoco... “Rural” se prende à atividade agrícola e os “novos centros” ou subúrbios, clusters etc. têm atividades nitidamente urbanas. O próprio agronegócio, p.ex., não é “rural” no sentido literal.
Se o modelo dos países desenvolvidos calcado na centralidade tradicional de grandes cidades não deve pautar o desenvolvimento de países em desenvolvimento (como quer o autor), a simples dispersão induzida pelo estado também não é nenhuma solução, mas o prelúdio de diversos outros problemas, uma vez que a moradia urbana, seja em grandes, médias ou pequenas cidades não for resolvida, isto é, liberada das amarras estatais que criam privilégios através do ônus de suas burocracias.
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