interceptor

Novas mensagens, análises etc. irão se concentrar a partir de agora em interceptor.
O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Saturday, August 30, 2008

A Verdadeira Nova Ordem Mundial



As guerras são ganhas por alianças, de preferência pelas maiores. A questão que propõe Friedman é que os EUA atualmente descartam as alianças, pois são uma força sem desafio a altura. Mas, ao jogar em tantos tabuleiros, ela se dissipa. O que podem agora que estão presos à questão do Iraque fazer sobre a Geórgia? A política adotada pela Otan em relação ao Kosovo foi a gota d’água e o ataque da Geórgia a Ossétia do Sul, o pretexto (?) para o revide russo. Por outro lado, os americanos esperam o apoio russo na questão do Irã ou, pelo menos, que não seja feito nenhum acordo envolvendo armas entre eles.

Bem vindos à verdadeira Nova Ordem Mundial que se parece muito com a Velha...

http://www.stratfor.com/weekly/real_world_order

Friday, August 29, 2008

Geopolitics - Dr. George Friedman

Our founder and CEO, Dr. George Friedman, explains the meaning of geopolitics and how "viewing world events through a geopolitical prism" is at the very heart of the intelligence and insight only Stratfor provides.

http://www.stratfor.com/

Wednesday, August 27, 2008

A balança de poder russa

...

A invasão russa da Geórgia ainda não mudou, substancialmente, a balança de poder na Eurásia. A ação americana no Iraque ou no Afeganistão, bem como a instabilidade no Paquistão permanecem as mesmas. Os americanos não auferiram nenhum poder a mais para influenciar no território da ex-União Soviética ou manter forças reservas terrestres para interferir no Cáucaso. De um ponto de vista exclusivo a partir de Washington, os americanos não ganharam muito no Cáucaso, mas podem perder.

Retomemos os eventos: dia 7 de agosto, forças georgianas fizeram incursão sobre a região separatista da Ossétia do Sul, que mantinha um status autônomo desde o fim da URSS. Sua capital, Tskhinvali foi ocupada. Na manhã seguinte, blindados e infantaria motorizada russas apoiadas pela força aérea invadiram o território georgiano na Ossétia do Sul. Informalmente, esta região se alinhou a Rússia que operou para anular sua incorporação à Geórgia. Dada a velocidade da operação que, em questão de poucas horas, levou a reação russa, está claro que os russos já sabiam das intenções de Tbilisi. O contra-ataque, cuidadosamente planejado que forçou a retirada georgiana levou apenas dois dias. No domingo, dia 10, os russos já logravam consolidar sua posição de ocupação na Ossétia do Sul (veja o mapa ao lado). No dia seguinte, os russos atacaram forças georgianas como se fossem dois machados. Um deles em direção a cidade georgiana de Gori ao sul, o outro em direção a Abkhazia, região separatista da Geórgia alinhada com os russos. O objetivo foi cortar a ligação da capital georgiana, Tbilisi com os portos do país. A partir daí, os russos bombardearam as bases aéreas de Marneuli e Vaziani. Seu posicionamento, a cerca de 60 quilômetros da capital georgiana tornou, praticamente impossível seu reabastecimento de Tbilisi.



O porquê da invasão georgiana

O ponto de partida de nossa indagação é qual o objetivo da invasão da Ossétia do Sul pela Geórgia na noite de quinta-feira? Após três noites precedentes de vigília osseta em vilas georgianas houve a troca da artilharia. Os georgianos, como é seu caráter, lutaram e resistiram, sob o claro intento de levar a ação da Geórgia para frente. Os EUA são os aliados mais próximos do país. Cerca de 130 conselheiros militares americanos e mais outros civis assessoravam o governo georgiano e empresários com os quais negociavam. Desta forma, torna-se inconcebível que os EUA não soubessem dos planos de Tbilisi. A inteligência americana, seus satélites e aviões espiões teleguiados também deveriam estar monitorando a movimentação de tropas russas. Estamos falando de milhares de soldados russos se deslocando em direção ao sul. Os russos sabiam claramente que os georgianos iriam contra-atacar. Como então, os americanos não poderiam saber igualmente dos russos? Da mesma forma, os americanos deveriam saber que a ação georgiana era o pretexto ideal para Moscou invadir e expulsar as forças da Geórgia. Se os georgianos se apoiavam nos americanos (e confiavam neles), não poderiam meter os pés pelas mãos e traçar uma estratégia que prejudicasse suas negociações regionais indo contra seus próprios interesses. Uma hipótese é que houve uma avaria na inteligência americana ou um péssimo calculo do poder de contra-ataque russo. Difícil crer que sua análise se baseasse no histórico da década de 90 quando o exército russo estava uma verdadeira bagunça e seu governo paralisado. Com a insuflação do separatismo nas regiões georgianos, os russos prepararam uma arapuca na qual os patos georgianos caíram direitinho.

Outro episódio em que os russos tomaram a dianteira foi na movimentação em território afegão nos anos 70 e 80, quando os EUA se viram forçados a buscar reforços e apoio nos guerrilheiros muhajedin de base ideológica talebã. E isto que os russos evitaram estes movimentos por anos... Ao contrário dos EUA, a Rússia não viu nenhum obstáculo militar. Economicamente, Moscou sabe muito bem de sua importância da exportação de seu gás para a Europa. Politicamente, os americanos necessitam dos russos, mais do que os russos necessitam dos americanos. O momento era ideal e o golpe, preciso.



O cerco ocidental a Rússia

Há alguns precedentes que explicam a motivação russa. Do ponto de vista ocidental e, americano em particular, a Revolução Laranja na Ucrânia (novembro de 2004), que levou um líder pró-ocidental ao poder, Viktor Yushenko, representou uma vitória da democracia. Para os russos, por sua vez, esta “revolução” era uma intrusão apoiada pela CIA para trazer a Ucrânia a esfera de influência ocidental e americana, leia-se Otan. O pai de George W. Bush – George H. W. Bush – e Bill Clinton prometeram que a Otan não se expandiria para os limites do ex-território soviético. A promessa fora quebrada em 1998 com a incorporação da Polônia, República Tcheca e Hungria ao seu sistema de defesa. Novamente, em 2004, não se contentando com a Europa Central, a Otan incorporou outras três ex-repúblicas soviéticas no Báltico, Lituânia, Letônia e Estônia. Os russos toleraram tudo isto até que chegou a vez da Ucrânia, cuja entrada no “guarda-chuvas” da Otan representou uma ameaça a sua segurança nacional. Se consumada sua entrada na Otan, a Federação Russa ficaria desestabilizada e indefensável. Quando, por fim, tentaram incorporar a Geórgia, a influência russa no Cáucaso seria, por fim, extirpada. A conclusão óbvia era que os EUA iriam partir a Federação Russa em diversos movimentos separatistas, descosendo-a como se rasgassem um velho cobertor cheio de remendos. Lembremos ainda que, pouco antes, Europa e EUA apoiaram a independência do Kosovo em relação a Sérvia. Os sérvios, antigos aliados dos russos não eram o problema, mas para Moscou desde o fim da II Guerra era condição de estabilidade que as áreas de influência não fossem alteradas. Com este princípio violado, outras regiões, dentro da própria Rússia poderiam seguir o exemplo. Os russos solicitaram que este status não fosse alterado, mesmo porque o Kosovo já tinha uma autonomia informal que equivalia, na prática, a esta nova independência formal. A Rússia foi simplesmente ignorada.

Desde o ocorrido na Ucrânia, os russos já concluíam que os EUA estavam cercando-os ostensivamente e estrangulando seu país em pontos estratégicos. Mesmo em episódios de menor importância estratégica – como foi o caso do Kosovo –, EUA e Europa não levaram a Rússia em consideração uma só vez. Chegara o limite para a ruptura. Se mesmo em um caso de pequeno significado regional (política e economicamente falando), a Rússia não tinha qualquer peso, para Moscou, o Ocidente já lhe declarara guerra. Para os russos não se tratava mais de entender o porquê disto tudo, mas sim em como responder a isto tudo. Se o Kosovo podia ser declarado como independente sob patrocínio ocidental, a Abkhazia e Ossétia do Sul também poderiam ter suas independências patrocinadas pela Rússia. Tratava-se apenas de jogar com as cartas que se dispunha. E os russos jogaram com quase todas.

Para os russos foi uma vitória moral: ao protestarem, EUA e Europa se revelariam hipócritas, pois negavam à Abkhazia e Ossétia do Sul, o mesmo que defenderam para o Kosovo. Por razões políticas internas a Rússia, o fato era importantíssimo. Se para o ministro Putin, a queda da URSS fora um desastre, isto não significava que quisesse retomá-la nos mesmos moldes de antigamente, mas que a segurança nacional estava, a partir de então, em uma rota perigosamente descendente. Uma rota de insegurança patrocinada pelo Ocidente. Urgia, para ele, retomar a influência russa nos territórios da extinta União Soviética.

Consideremos o seguinte: durante a Guerra Fria, São Petersburgo estava 1.930 km distante de qualquer país da Otan. Hoje está apenas 96,5 km distante da Estônia, um membro desta organização militar. A desintegração soviética deixou a Rússia cercada por países hostis ao seu antigo domínio e influenciados por americanos, europeus e, em alguns casos, pela China.[1]



A ressurreição da esfera russa

Putin não quis restabelecer a URSS, mas quis restabelecer a hegemonia russa dentro do ex-território soviético. Para tanto, ele teve que implementar as seguintes tarefas:
1) Reconstruir o exército russo e restabelecer seu crédito como força de peso regional.

2) Anular a influência da Otan no contexto regional da periferia russa.
Sua intenção não era o confronto direto com a Otan (mesmo porque, provavelmente, perderia), mas ter o poder de derrotar ou dissuadir qualquer país alinhado com a organização em sua periferia. Cabia a ele anular qualquer intento de ativar o Dispositivo Automático de Entrada (D.A.E.) que permite aos EUA avançar sobre território de outro país a partir de seus aliados regionais. Como demonstração de força neste sentido, a Geórgia foi a escolha perfeita para sua demonstração de força e coragem. “Coragem”, não contra a Geórgia, pois daí já seria covardia, mas em desafio a Otan mesmo, o que fez de modo competente.

O que Putin também revelou era o sabido de todos, mas não demonstrado empiricamente: como os EUA se acham atrelados a suas ações no Oriente Médio não poderiam oferecer muitas garantias no Cáucaso, ou em qualquer outra parte do globo.

No cômputo da operação até o momento, uma lição para ucranianos, georgianos, bálticos, europeus e centro-asiáticos digerirem, serviu como bônus. Especialmente, para a Polônia e República Tcheca.

Para o Kremlin, a defesa de mísseis balísticos que os EUA querem introduzir nestes países é uma ameaça clara a Rússia. Com o ataque a Geórgia, Putin e Medvedev querem demonstrar que as promessas e garantias dos americanos são vazias. Para os EUA, o Oriente Médio e, particularmente, o Irã lhe tomam muito mais atenção em detrimento do distante e inóspito Cáucaso. E os americanos querem a aliança russa contra o Irã, particularmente, não lhes vendendo armamento, como o eficaz sistema de defesa aérea S-300. Se os russos quiserem mesmo importunar os EUA, poderão vender armas não somente ao Irã, mas também a Síria.

O dilema americano consiste em priorizar o Cáucaso agora e deixar o Oriente Médio (o que parece fora de questão) ou limitar sua ação na Geórgia para evitar uma aliança russo-iraniana. Apesar dos interesses russos confluírem aos dos EUA na questão iraniana – o sistema de armas iraniano é mais ameaçador para a Rússia do que para os EUA considerando seu território mais próximo... O mesmo podendo se dizer sobre o Afeganistão, um acirramento do conflito no Cáucaso com maior ingerência americana pode alterar a situação para um quadro diametralmente oposto: uma aliança russa com o Irã e rebeldes afegãos contra os EUA.

Os ventos atuais são, aparentemente, favoráveis a Moscou. Seus coringas estão no fato de que:
1) Os russos apóiam os americanos (por enquanto...) em regiões críticas como o Afeganistão e Irã (próximos de suas fronteiras).

2) Os europeus dependem de seu fornecimento de gás e padecem com o déficit de forças expedicionárias.

Apesar de não ser uma potência mundial como os EUA, a Rússia é uma inegável força regional com reservas de armas nucleares e uma economia em ascensão, embora muito dependente de seus recursos naturais. Estes simples fatos compelem seus vizinhos a reavaliarem seus posicionamentos políticos em relação a Moscou.

No caso da Geórgia, provavelmente os russos exigirão a renúncia do presidente, Mikhail Saakashvili. Isto é o que querem e para isto estão se movimentando. Em uma escala mais ampla, a Rússia tem dado demonstrações de requerer o retorno ao status de grande potência. Em uma favorável combinação de fatores e eventos de médio prazo: o retorno do investimento e organização militares sob os governos de Vladimir Putin e, os gastos e envolvimento americanos no Oriente Médio ajudaram a consolidar o crescimento do poder russo. Uma “janela de oportunidade” se abriu para Moscou e o Kremlin a atravessou. Enquanto os americanos estiverem atrelados a sua geopolítica no Oriente Médio, a Rússia tenderá a crescer regionalmente. A guerra na Geórgia não foi uma surpresa, foi preparada por meses. Se as fundações geopolíticas que datam de 1992 fossem suficientes para deter o curso histórico de séculos em que a Rússia se sedimentou como poder imperial, não teríamos este conflito. Talvez, os últimos 15 anos tenham sido uma “aberração histórica” para o leste europeu. Se a retificação para um “eterno retorno” do Império Russo devesse ocorrer, ela está ocorrendo justamente agora.



[1] Mesmo que alguns insistam em acreditar numa suposta (e paranóica), aliança sino-russa...

Tuesday, August 26, 2008

O poder dos "lagos"



Sexta-feira passada, dia 22, o destróier americano USS McFaul e a fragata polonesa General Kazimierz Pulaski cruzaram o Estreito de Dardanelos controlado pela Turquia (aliada da Otan) em direção ao porto de Batumi na Geórgia. Um dia depois foi a vez das fragatas espanhola, Adm. Don Juan de Bourbon e alemã, FGS Luebeck deixarem o Bósforo em direção ao Mar Negro.

Enquanto o cruzador russo, Moskva deixou o porto ucraniano de Sevastopol em direção ao Mar Negro para um teste de armas e comunicações, a fragata USS Taylor atravessava Dardanelos. Monitorando seus movimentos, o USS Mount Whitney e o US Coast Guard Dallas trocavam informações.

Os antigos gregos definiam o Mar Negro como ‘inóspito’ ou o contrário de acordo com seu nível de controle sobre o mesmo. A última campanha militar significativa no mesmo data de 1916. Antes disso, na Guerra da Criméia, o czar Alexander II amargou uma derrota dramática. Quase um século de calmaria em suas águas, já estava passando da hora de suas ondas se levantarem novamente...

Trata-se de uma área rica em recursos (minérios, terras férteis, plantas industriais, passagens estratégicas), mas também de gritante fragilidade, especialmente para a Rússia que nunca dominou apropriadamente os mares. O foco do conflito não se dará nas montanhas (onde os russos têm vantagem), mas nele mesmo, o Mar Negro. E isto que ainda não temos a presença de nenhum porta-aviões. Uma questão de tempo...

A presença russa na Península da Criméia tem significado estratégico, mas é controlada pela Ucrânia (ao norte do referido mar) e a borda meridional deste mar tem controle turco. Isto, para não falar do gargalo representado pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos que conectam o Negro ao Mediterrâneo. Desnecessário também complementar que a força russa neste é pouco mais que zero.

A Rússia é um poder terrestre, sempre foi, num mundo formado majoritariamente por água. Fronteiriça de países fracos como a Geórgia a leste ou próxima de outros igualmente frágeis como Moldávia, Romênia e Bulgária a oeste, em ambos os casos seus movimentos são limitados, respectivamente, pelas montanhas do Cáucaso e dos Cárpatos. Se isto limita os russos, também os protege. Portanto, qualquer ameaça real ao âmago do poder russo passa pelo Mar Negro. E é aí que se dirigem as forças ocidentais. Arrisco-me a dizer que é conveniente, pois servirá (também como pretexto) para um maior aprisionamento do Irã e do Iraque. Depois dessa, talvez sem perceber, os russos acabaram por ajudar os americanos...

Se futuramente Ahmadinejad reclamar em algum fórum da ONU da ameaça vinda a noroeste irão lhe dizer para se queixar com a dupla dinâmica, Medvedev e Putin. Triste ironia... Para ele, feliz para mim.

O trajeto liso e sem obstáculos naturais tentado por tiranos como Napoleão ou Hitler não deu certo. Por que agora, as forças democráticas do livre-comércio deveriam insistir no erro? Ataque pelo baixo ventre. Se o tórax é protegido, chute no saco.

Lembremos também de um detalhe: justo ao sul, se concentra as regiões produtoras de petróleo da Rússia européia, Tatarstan e Bashkorostan. Em último caso, sob pressão, um bombardeio nelas traria a glória para aliados de ocasião, como o Irã, cujas reservas aumentariam proporcionalmente de peso na oferta global de combustíveis.

Para os europeus, o Mar Negro nunca foi uma rota privilegiada, mas sim um limite para seus exercícios terrestres. Do outro lado, foi o que se deu com os Otomanos que marcharam até Viena pelos Bálcãs e não fizeram do Mar Negro seu meio de travessia naval. Mesmo seu domínio sob a Península da Criméia (1441-1783) nunca foi de todo efetivo. Durante a Guerra Fria, o Mar Negro padeceu comercialmente, pois o Danúbio, sob domínio soviético, atravessava e desaguava em sua área de influência. Hoje é diferente e aquela área interessa aos europeus.

O Muro de Berlim caiu e as hostilidades cessaram no território ex-Iugoslavo. Agora, a economia do gigante alemão dá as cartas. Em termos de logística, é muito mais barato escoar a produção da Europa Central pelo Mar Negro do que por terra e pelo Mar Báltico. Se isto for fechado, a Europa sentirá. Desta forma, os americanos já estão se posicionando para garantir sua passagem e permanente abertura. Para a Ucrânia nem se fala... Única nação ex-soviética com rios permanentemente navegáveis, o Dnieper e o Dniester. Os rios russos, por sua vez, congelam boa parte do ano e desembocam em pleno Ártico. Nesta situação, servem mais como escorregador para foca que transporte de carga.

Se o Mar Negro é uma benção econômica para a Ucrânia, também é uma praga geopolítica. Há uma população crimeneana etnicamente russa e pró-russa, especialmente no porto de Sevastopol. Aí está um dos pontos nevrálgicos do conflito.

Se para a Rússia, a importância deste mar está na posição estratégica de controle sobre os recursos provenientes do Cáspio, para a Geórgia e demais caucasianos é fundamental, aliás, a única passagem.

Há dois focos de povos russos no Mar Negro: na costa georgiana e na Criméia. Já, ao longo do Cáspio, ela é reduzida. Convém agora a Otan se enamorar dos azeris. Ofertas deverão ocorrer...

Se uma operação naval projetar-se ao Rio Don entre Rostov-on-Don e Volvogrado (ex-Stalingrado), Moscou será eliminada da rota caucasiana e das imensas fontes de energia da região. Afortunados serão os ucranianos que poderão barganhar com Washington e Moscou.

Corpos expedicionários britânicos e franceses tentaram-no durante a Guerra da Criméia invadindo Sevastopol através do Mar de Azov. Isto é inadmissível na Era Nuclear. Mas, no caso extremo, este será o corredor para um vetor decisivo do conflito: Criméia-Don-Volvogrado.

A Turquia se acha populacionalmente concentrada nos estreitos. Suas costas setentrionais (sul do Mar Negro) são de um relativo anecúmeno. Suas ásperas montanhas setentrionais servem de bloqueio às rotas comerciais e estas se localizam, preferencialmente, no Mediterrâneo.

Exceto por rotas alternativas (e mais onerosas), o controle do Mar Negro e, subsequentemente, da Europa Central e da Rússia neste cenário se encontra em mãos de Ankara. Historicamente, o Mar Negro foi uma área de hegemonia turca. Seus rivais eram os fracos países centro-europeus e a Rússia. Já no Mediterrâneo havia os venezianos, genoveses, depois italianos, franceses e ingleses como rivais a altura.

Mas, seu controle sobre o mar, particularmente a Península da Criméia nunca foi vital ao Império Otomano como foram os Bálcãs. No entanto, seja nas guerras russo-turcas do século XIX, seja na I Guerra Mundial, a Rússia nunca conseguiu eliminar a resistência turca no Mar Negro. Sua posição funcionou como um verdadeiro forte a expansão russa no Mediterrâneo. Consequentemente, hoje em dia, o Mar Negro é um verdadeiro “lago da Otan”. E o gargalo formado pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, tirante os acordos internacionais sobre seu uso, está sob controle turco. Da Turquia como membro da Otan. Mais ao sul, temos o Mar Egeu, também controlado pela Otan. Se, por um milagre, a Rússia furasse o bloqueio de Dardanelos não escaparia do labirinto no Egeu. Seria como um carneirinho solto na alcatéia. E somadas as marinhas e força aérea com apoio terrestre e naval, o Mediterrâneo inteiro é outro “lago da Otan”.

A Rússia, em que pese seu enorme poder terrestre, está ilhada, circundada por mares hostis. Por onde, em última análise teria que enviar suas forças para anular o contínuo abastecimento de forças opostas.

Na economia da guerra, o avanço pelo norte plano ou pelos íngremes Cárpatos contra a Rússia teria um custo imensamente maior. Se eu fosse teísta, diria que o bom deus agraciou os ocidentais com o Mar Negro, esta ponte ameaçadora que permite projetar um ataque visceral contra um senhor Calcanhar de Aquiles de Moscou.

Nem se precisaria invadir o território russo para obliterar seus movimentos. A imensa e inexpugnável marinha americana pode estacionar nos estreitos turcos e tomar a base-porto russa na Criméia com o apoio ucraniano (quem já se indispôs com Moscou). Só isto já seria mais do que suficiente para lançar ameaças permanentes contra a rota de suprimentos energéticos russos e seu envio de combustíveis a Europa. Com a Europa ao lado dos EUA, para quem os russos escoariam sua mono-produção de país periférico do capitalismo mundial?

Obviamente que se trata de uma tática ofensiva. Soa como total disparate comparar isto com a estratégia defensiva da Inglaterra na II Guerra Mundial.

Detalhe: estamos na época de porta-aviões e naus com lançadores de mísseis teleguiados quando lá, no Mar Negro, encontra-se a frota mais frágil da marinha russa. Sua maior força concentrada no Báltico, não conseguiria entrar no Mediterrâneo, no Egeu e no Negro, estes “lagos da Otan”.

A força aérea americana, por sua vez, está presente na base aérea turca de Incirlik. Analogamente, aeroportos na Grécia, Bulgária e Romênia também podem sediar forças americanas e demais países da Otan devastando o poder naval russo se necessário.

Além da bem-equipada força aérea, os turcos têm mísseis de cruzeiro submarinos que podem atingir o território russo. E estamos concentrados no Mar Negro. É possível ainda adicionar o posicionamento americano no Mar de Barents, no Báltico, no Mediterrâneo e no Egeu. Como garfos, seus projéteis facilmente transformariam a Mãe-Rússia num queijo suíço.

A única chance de vitória para a Rússia consistiria em poder neutralizar a Turquia.

Sem isto, nem com reza brava em Igreja Ortodoxa.

A geografia russa sempre foi um fator a neutralizar o desenvolvimento naval russo. A Ucrânia serviu, convenientemente, como estado-tampão a Moscou por séculos. Chegou a hora de Kiev dar um basta a isto.

Embora tenha tentado por mais de um século ultrapassar este obstáculo ao seu desenvolvimento como potência militar, a Rússia não logrou êxito. Sua derrota contra o Japão, no início do século XX foi uma guerra em que a logística falou mais alto que a estratégia. Os russos mal conseguem controlar seu próprio território, quiçá dominar mundialmente ou, mais modestamente, uma porção continental.

Senhores e Senhoras,

O que estamos assistindo é a inspiração do epitáfio da Mãe Rússia. Este é apenas o prelúdio de uma época vindoura de desagregação exponencial de seu território. Gerações futuras de russófilos amaldiçoaram os nomes de Medvedev e Putin.

Com tudo que conseguiu no auge dos tempos soviéticos, a Rússia nunca se fixou como potência no Mar Negro. Isto é fato. E seu amortecedor ucraniano hoje, acabou de virar uma imensa incógnita negra emanada sobre o tchernozion.

Hoje, mais do que ontem, a Turquia é a torneira que permite que a energia de uma barragem represada se irrompa sobre as planícies ucranianas. É o árbitro absoluto deste jogo. Sua aliança é chave para a Otan, uma realidade tão inexorável quanto uma lei física.

Monday, August 25, 2008

A maré poderá ser negra


Para Dmitri Medvedev, o Ocidente precisa da Rússia, mas a Rússia não precisa do Ocidente. Se o presidente russo desdenha da ameaça de rompimento com a cooperação militar com a Otan, o premiê Vladimir Putin afirma que a Rússia não tem interesse na OMC. Como se não bastasse o apoio de Moscou a independência das regiões separatistas da Geórgia, o vizinho Azerbaidjão enviou 200.000 barris de óleo cru ao Irã. Não se trata, contudo, de uma operação econômica ordinária, o país é a porta de entrada para o petróleo do Cáspio, cujo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan serve de rota alternativa a infra-estrutura meridional da Rússia. Uma explosão no oleoduto forçou o envio de petróleo ao Irã, comprometendo a intenção americana de isolar Teerã. Se o conflito começou por causa do Kosovo e chegou ao Cáucaso, agora ele se estende claramente ao Golfo Pérsico.

Como a Otan pouco pode fazer contra a Rússia no Cáucaso, os russos estão crescendo em suas operações regionais nesta queda de braço. Mas, em que pese sua até então bem sucedida estratégia, a Rússia não é invencível, especialmente no Mar Negro, uma imensa área critica a seu sistema defensivo. Se a Otan não tem como avançar muito em terra, no mar ela pode ameaçar os russos forçando sua pausa. A logística ocidental, tal qual a “ajuda humanitária” russa na Geórgia inclui nove navios de guerra. E não se trata de forças exclusivamente americanas, há navios espanhóis, turcos, poloneses, búlgaros e romenos para legitimar este jogo. A simples presença ascendente dos americanos nesta massa líquida exigiria dos russos uma pronta resposta. Muitíssimo mais importante do que a Geórgia, há a ligação direta com outra ex-república soviética, a Ucrânia. Realmente, não parece um bom negócio ganhar uma Geórgia para perder uma Ucrânia... Suas férteis planícies são o solo perfeito para um desembarque a partir deste “amortecedor” que é o Mar Negro. Isto seria a última coisa que os russos desejariam. O bem sucedido avanço russo num primeiro estágio poderá se configurar numa flagrante derrota mais a longo prazo. E a presença da nau capitânia Moskva é o pretexto perfeito para os EUA aumentarem e ameaçarem a implantação logística de domínio caucasiano. Tudo que o Kremlin não quer é um verdadeiro “mar negro” em seu desprotegido baixo ventre.