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a.h

Tuesday, October 16, 2007






Se lhe pedissem para nomear o maior dos vilões do aquecimento global dos últimos 30 anos, eis aqui um nome que provavelmente não viria à mente: Jane Fonda. Mas será que deveria vir?

No filme "Síndrome da China" ("The China Syndrome", EUA, 1979), Fonda fez o papel de uma repórter de televisão da Califórnia que filmava uma otimista série sobre o futuro da energia naquele Estado. Ao visitar uma usina nuclear, ela vê os engenheiros entrarem subitamente em pânico devido àquilo que mais tarde foi chamado de "rápida contenção de um acontecimento potencialmente caro". Quando o dono da usina tenta acobertar o acidente, a personagem interpretada por Fonda convence um engenheiro a denunciar a possibilidade de um meltdown (derretimento do núcleo de um reator nuclear devido a resfriamento insuficiente) capaz de "tornar permanentemente inabitável uma área do tamanho do Estado da Pensilvânia".

"Síndrome da China" estreou em 16 de março de 1979 nos Estados Unidos. Com o movimento antinuclear no seu apogeu, o filme foi atacado pela indústria nuclear como sendo um ato irresponsável de esquerdistas semeadores de pânico. Mas 12 dias mais tarde ocorreu um acidente na usina nuclear de Three Mile Island, na região centro-sul da Pensilvânia.

Michael Douglas, produtor e ator do filme - ele fez o papel do cinegrafista de Fonda - viu o acidente em Three Mile Island no noticiário real da televisão, que sobrepôs cenas ao vivo da Pensilvânia a outras assustadoramente similares de "Síndrome da China". Ao contrário de Fonda, que era uma inimiga convicta da energia nuclear antes de fazer o filme, Douglas não era tão dogmático. Mas ele se converteu naquele momento. "Foi um despertar religioso", recordou ele em uma recente entrevista por telefone. "Senti que foi a mão de Deus".

Enquanto isso, Fonda tornou-se uma paladina total da causa. Em uma entrevista para a edição em DVD de "Síndrome da China" ela observa com satisfação que o filme ajudou a persuadir pelo menos dois outros homens - o pai do seu então marido, Tom Hayden, e o seu futuro marido, Ted Turner - a se voltarem contra a energia nuclear. "Fiquei fascinada pelo fato de o filme ter sido um grande sucesso comercial", disse ela. "Conhece a expressão 'Tínhamos pernas'? Pois transformamo-nos em uma lagarta após Three Mile Island".

O acidente em Three Mile Island, segundo um relatório da comissão presidencial de 1979, "teve início devido a defeitos mecânicos na usina, e tornou-se pior devido a uma combinação de erros humanos". Embora alguma radiação tenha sido liberada, não houve nenhum derretimento do núcleo do reator até o outro lado da Terra - nenhuma "Síndrome da China" - e tampouco o acidente de Three Mile Island causou mortes, ferimentos ou danos significativos, a não ser na própria usina.

O que ele produziu, com a ajuda de "Síndrome da China", foi um pânico generalizado. A indústria nuclear, que já não ia bem das pernas devido a pressões econômicas, públicas e regulamentações, cancelou os projetos para expandir-se. E, assim, em vez de termos nos tornado uma nação de energia nuclear limpa e barata, como antes parecia ser inevitável, os Estados Unidos continuaram construindo usinas de geração de energia que queimam carvão e outros combustíveis fósseis. Atualmente estas usinas respondem por 40% das emissões de dióxido de carbono vinculadas à produção de energia do país. Qualquer um que esteja buscando um vilão do aquecimento global não pode deixar de culpar essas usinas de energia à base de combustíveis fósseis - e também não pode deixar de questionar quais foram as conseqüências involuntárias do ativismo de Jane Fonda.

Mas a boa notícia é que a energia nuclear pode estar retornando nos Estados Unidos. Existem projetos para mais de 24 novos reatores e bilhões de dólares em potenciais garantias federais de empréstimos. Será que o medo do meltdown acabou, ou ele apenas foi substituído pelo temor do aquecimento global?

A resposta pode estar em uma tese de doutorado de 1916 do lendário economista Frank Knight. Ele fez uma distinção entre dois fatores-chaves para o processo decisório: risco e incerteza. A diferença fundamental, declarou Knight, é que o risco - por maior que seja - pode ser medido, enquanto a incerteza não.

Como é que as pessoas calculam risco e incerteza? Vejamos uma famosa experiência que ilustra aquilo que é conhecido como Paradoxo de Ellsberg. Existem duas urnas. A primeira, segundo lhe dizem, contém 50 bolas vermelhas e 50 pretas. A segunda também contém 100 bolas vermelhas e pretas, mas o número de bolas de cada uma das cores é desconhecido. Se a sua tarefa for pegar uma bola vermelha em uma das duas urnas, que urna você escolheria?

A maioria das pessoas escolheria a primeira urna, o que sugere que elas preferem um risco mensurável a uma incerteza imensurável (esta condição é conhecida pelos economistas como aversão à ambigüidade). Será que a energia nuclear, com os riscos e tudo o mais, é tida agora como preferível às incertezas do aquecimento global?

A França, que gera quase 80% da sua eletricidade a partir da energia nuclear, parece achar que sim. E também a Bélgica (56%), a Suécia (47%) e mais de uma dúzia de outros países que geram pelo menos um quarto da sua eletricidade a partir da energia nuclear. E qual é o maior produtor mundial de energia nuclear?

Por mais improvável que pareça, a resposta é... os Estados Unidos. Ainda que a construção de novas usinas nucleares tenha sido cancelada no início da década de 1980, os 104 reatores atuais do país produzem quase 20% da eletricidade consumida pelo país. Essa porcentagem na verdade aumentou com o passar dos anos, juntamente com o nosso consumo, desde que a energia nuclear tornou-se mais eficiente. Embora os custos fixos de uma nova usina nuclear sejam superiores ao de uma usina movida a carvão ou gás natural, a produção de energia nos reatores nucleares é mais barata: a Exelon, a maior companhia nuclear dos Estados Unidos, alega produzir eletricidade a 1,3 centavo de dólar por kilowatt-hora, contra 2,2 centavos no caso do carvão.

O entusiasmo pela energia nuclear pode estar em alta, mas ele sempre será contido pela menção de uma única palavra: Chernobyl. O desastre ucraniano de 1986 matou diretamente pelo menos algumas dezenas de pessoas e expôs milhões de outras à radiação. Um novo estudo feito pelos economistas Douglas Almond, Lena Edlund e Marten Palme revelam que em países tão distantes quanto a Suécia, nas áreas para as quais o vento carregou a nuvem radioativa de Chernobyl, os bebês que à época estavam no útero das mães apresentaram mais tarde um desempenho significativamente pior na escola do que as outras crianças suecas.

Mas o carvão também tem os seus custos, que não se restringem apenas àqueles relativos à ameaça do aquecimento global. Nos Estados Unidos, uma média de 33 operários de minas de carvão morrem a cada ano em acidentes. E na China, somente no ano passado, mais de 4.700 operários de minas de carvão morreram - uma estatística da qual o governo chinês se gabou como sendo uma grande melhora.

O acidente em Three Mile Island destruiu um dos reatores da usina. O outro, operado pela Exelon, continua silenciosamente a fornecer eletricidade para 800 mil pessoas. Em frente ao centro de treinamento da usina há uma pequena horta cercada com tela de arame: lá dentro há pés de milho, tomate e beterraba. A produção é monitorada para detectar a presença de radiação. Em uma recente visita, embora tivéssemos constatados que as plantas estão precisando bastante de água, elas vão, tirando isso, muito bem.

Lá dentro, Christopher Crane, o diretor de operações da Exelon Generation, falou sobre as barreiras que a indústria nuclear precisa enfrentar antes de ter permissão para construir novos reatores. Entre elas: a antiga questão referente a como se livrar do combustível usado e determinar se a população superou o seu medo dos novos reatores nucleares. Crane senta-se em uma sala de conferência dentro do complexo de Three Mile Island. A paisagem lá fora é sinistra: prédios grandes e sem janelas; cercas que trazem no topo espirais de arame dotado de lâminas afiadas; atiradores vestidos com coletes à prova de balas a postos. A segurança em todas as usinas nucleares aumentou desde o 11 de setembro. Se um visitante não soubesse onde se encontrava, acreditaria estar vendo uma prisão de segurança máxima.

Essa similaridade sugere uma resposta à questão levantada por Crane a respeito da aceitação pública de novas construções de usinas nucleares. Houve época em que as pessoas não queriam que novas prisões fossem construídas em seus quintais - até que decidiram que o risco era relativamente baixo, e que os benefícios, em empregos e dólares advindos de impostos, eram substanciais. Será que com as usinas nucleares acabará acontecendo a mesma coisa? O mercado parece acreditar que sim - as ações da Exelon triplicaram nos últimos cinco anos -, mas no fim das contas tudo poderá depender do tipo de filmes-desastres que Hollywood estiver planejando produzir.


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