O empresário Wagner Kronbauer está de malas prontas. Depois de 31 anos morando no Pará, onde chegou com a família em 1978, ele decidiu se mudar pra o Sul do País, deixando a presidência da União das Entidades Florestais do Pará (Uniflor), encerrando de vez as suas atividades empresariais no Estado e parando de trabalhar com a atividade florestal. Wagner é uma liderança conhecida em todo o Estado, possui uma história de luta em defesa do setor florestal e do desenvolvimento do Pará, mas decidiu deixar o Estado depois de chegar à conclusão que o Pará se tornou um lugar hostil para a iniciativa privada.
Nesta entrevista ao EcoAmazônia, Kronbauer lembra que veio com apenas cinco anos de idade para o Pará, junto com o pai, Werner Kronbauer, que se instalou na região de Paragominas, onde viu a oportunidade de aproveitar o grande volume de madeira que estava sendo queimada. Naquela época, as pessoas eram obrigadas por força de lei a desmatar no mínimo 50% da área pretendida para terem direito ao documento da terra oferecida pelo governo.
O Kronbauer pai foi diretor da Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA) por anos, fundador do Sindicato da Indústria Madeireira de Tailândia e também do Lions Clube, e também liderou alguns movimentos importantes da época, como pressão para construão da alça-viária, implatanção do sistema de telefonia e energia elétrica para região para PA-150. Após o falecimento do pai, Wagner assumiu o Sindicato da Industria madeireira de Tailândia, foi também o primeiro presidente da Associação de reflorestamento de Tailândia e um dos fundadores da Uniflor, da qual deixou recentemente a presidência. Confira a íntegra da entrevista:
Por que você decidiu deixar o Estado?
Wagner - Sou grato ao Pará. Meus pais vieram para cá em 1978, aqui tenho muitos amigos, meu pai aqui está enterrado, meu filho nasceu aqui. Enfim, é uma ligação que nunca vai se acabar, mas na minha opinião o Pará se tornou um lugar hostil para iniciativa privada. Empreender no Brasil já é muito complicado, mas aqui é hoje quase surreal!
Como funciona a Uniflor e qual seu papel no setor florestal?
Wagner - A Uniflor foi criada a partir da união de vários sindicatos e associações da industria florestal, então é um colegiado de líderes das mais diferentes regiões do Pará. O objetivo é unir forças e assim representar a opinião de boa parte dos produtores florestais perante o poder público e a sociedade, visando à construção de um modelo de desenvolvimento sustentável com regras claras e estáveis.
Desde a criação da Uniflor, na sua percepção, o que mudou na Amazônia?
Wagner - Muita coisa mudou. A questão ambiental ganhou ao longo do tempo uma dimensão muito maior, e hoje há uma espécie de consciência coletiva que cuidar do meio ambiente é vital para nós. O problema é que nesse contexto a Amazônia se tornou uma espécie de "entrada para o céu". As pessoas em Brasília, em São Paulo, na Europa, nos Estados Unidos, querem aliviar sua "consciência ambiental" tentando salvar a Amazônia, e essa boa vontade com a região é basicamente emocional, e portanto as discussões técnicas e racionais, baseadas em soluções possíveis e factíveis, foram atropeladas pela utopia de um paraíso verde e intocável, capaz de salvar o mundo da destruição ambiental!
As pessoas fariam muito mais pelo planeta se cuidassem primeiro de suas "casas", de reciclar o lixo, não desperdiçar energia, cobrar transporte público de qualidade de seus governantes e etc. Com relação à Amazônia, deveriam vir aqui perguntar "como eu posso ajudar?" em vez da arrogância de vir aqui dizer o que fazer.
A região precisa sim de toda ajuda possível, mas de pessoas sem preconceitos e com os ouvidos preparados para ouvir e assimilar. Infelizmente a maioria esmagadora dessas pessoas, que dão palpite e até definem o futuro da região, não conhecem a Amazônia, ou no máximo passaram aqui uns 10 dias, mas todos acham ter a solução para salvar a região!
É impressionante o tanto de besteira que se fala e se escreve sobre a Amazônia, e fica claro que o que menos importa é a opinião de quem vive e depende da Amazônia para sobreviver e criar sua família.
E para o setor florestal, algo melhorou em sua opinião?
Wagner - Sim houve avanços importantes. Temos hoje mais "voz" e um grande poder de mobilização, que fomos obrigados a usar em algumas ocasiões para chamar a atenção dos governos para alguns absurdos.
Do ponto de vista legal a aprovação da lei de gestão de florestas públicas, uma vez que as áreas públicas são 70% da Amazônia, e a descentralização da gestão ambiental para os estados, faltando agora o Estado melhorar sua gestão e compartilhar isso também com os municípios, que deve começar a acontecer em breve, pois não há outro caminho.
O Zoneamento Ecológico Econômico e a regularização fundiária já deveriam estar muito mais avançados, mas pelo menos é hoje considerado por todos como prioridade, e creio que devem avançar, só espero que não seja a "passos de tartaruga" como hoje!
Infelizmente esses instrumentos ainda não estão sendo usados adequadamente. É como uma faca, pode ser usada para fazer comida, mas também pode ser usada para matar ou simplesmente ficar esquecida na gaveta! Quero dizer com isso que os instrumentos para estimular uma economia florestal sustentável, transparente que gere enormes benefícios sociais estão à disposição dos Governos, falta agora prioridade, vontade política, determinação e até competência para usá-los.
Como está a produção madeireira hoje na Amazônia, em especial no Estado do Pará?
Wagner - Muito mal! Por conta de toda essa instabilidade de regras, excesso de burocracia e não implementação das políticas de estímulo já citadas, o setor já vinha em processo de retração, perdemos os melhores anos da história da economia mundial, e quando a crise econômica chegou nossas empresas estavam sem muita margem de manobra! Ainda hoje um produtor florestal não tem como planejar a próxima safra, e o espaço para baixar custos é pequeno, pois as empresas têm que manter um batalhão de pessoas e recursos só para cuidar de assuntos burocráticos que nunca se resolvem, ou pior que é se sujeitar ao mercado negro para documentar a produção, que é um enorme risco, além de muito caro.
Resumindo quem investiu nos último 10 anos em modernizar sua produção, agregar valor, capacitar sua de mão-de-obra e etc. está hoje muito penalizado! É triste ver a miopia como o Brasil trata seus empreendores. Certa vez um amigo europeu me disse "é impressionante como vocês conseguem sozinhos dar tanta munição aos seus competidores". O que poderia ter sido feito para evitar isso, mas não foi?
Wagner - Se os governos tivessem avançado de verdade na regularização fundiária, no zoneamento ecológico e nas concessões de florestas públicas o cenário já seria completamente diferente. Estaríamos passando a crise com otimismo, com um caminho a seguir. O Ministro Minc e a governadora Ana Júlia poderiam pelo menos ter cumprido o pacto que assinaram com Aimex e Fiepa para uso de madeira legal. Nesse pacto eles basicamente se comprometeram com 2 pontos cruciais:
1 - Tornar o sistema de controle e a aprovação dos planos de manejo sustentável algo transparente e ágil, para assim dar segurança às empresas para investirem em uma produção legal. Até hoje nada foi feito, e para nós a Sema e o Ibama continuam sendo uma caixa preta.
2 - Fazer 4 milhões de hectares de concessão até dezembro de 2009. Até agora o Governo Federal lançou edital para uns 150 mil hectares apenas, e o Governo do Estado zero. É ridículo! Só o Pará precisa de uns 15milhões de hectares, ou seja uns 15% do Estado, dividido numa rotação de 30 anos, ou sejam 500.000 hectares/ano, para Manejo Florestal Sustentado e assim produzir de forma sustentável o mesmo volume de madeira produzido em 2007.
É absolutamente inacreditável pensar que temos a tecnologia, temos muito mais floresta que o necessário, muita gente precisando trabalhar e temos empreendedores, nesse item não sei até quando, com know how para gerir a floresta nativa da Amazônia com benefícios imensos para a sociedade e ao meio ambiente, mas não fazemos!
"Empreender no Brasil já é muito complicado, mas aqui é hoje quase surreal!"
Que futuro você vislumbra para Amazônia?
Wagner - Vamos pensar em duas possibilidades, sendo uma otimista e outra pessimista: Em um cenário otimista, as forças políticas da região, independente da filiação partidária, e incluindo as representações empresariais, de trabalhadores, de movimentos sociais e as ONGs mais sérias, se uniriam na defesa de uma agenda mínima de interesse comum, criando um pacto pela não tolerância para novos desmatamentos, mas com desenvolvimento econômico e bem estar social. Dessa forma conseguiríamos avançar em alguns pontos básicos que racionalmente não há como ser contra:
a-Concluir o Zoneamento Ecológico Econômico e assim definir onde se pode produzir o que;
b-Concluir a regularização fundiária, e assim definir claramente o que pertence a quem, acabando com a especulação e a violência na disputa por terras;
c-Resolver a questão do uso da reserva legal de forma racional. No Pará são pouco + de 20% de áreas já desmatadas e nem todas são privadas. Não represento e nada tenho com o setor agropecuário, mas é preciso ser coerente que 80% de reserva legal para essas áreas privadas que já estavam desmatadas não será cumprido nunca, só serve para manchar a imagem do Estado.
d-Implantar a lei de gestão de florestas públicas, fazendo as concessões para empresas e definindo como as comunidades podem produzir e se inserir na cadeia florestal,
e-Criar um sistema transparente e objetivo de licenciamento ambiental, tanto para as empresas quanto para as propriedades rurais. Permitindo assim que a sociedade saiba os critérios para concessão ou não de licenças ambientais, e possa acompanhar os tramites, salvando os empreenderes do ciclo vicioso de "favores" que muito são obrigados a se submeter para sobreviver.
Nesse cenário, o Ministério Público entenderia que os pontos acima são muito, mas muito mais importantes que exigir multas e pressionar por exigências inatingíveis para se conceder uma licença. É preciso cobrar regras claras e eficiência do poder público par proteger o bom empresário. Teríamos assim um fantástico crescimento, com enormes benefícios sociais, e ainda por cima sem ou com muito pouco novos desmatamentos.
Seriamos mais competitivos na produção de commodities minerais e agropecuárias, abrindo espaço para agregação de valor dessas commodities aqui. Seríamos também um dos grandes players mundiais para produtos de base florestal, tanto de nativas quanto de reflorestamento, e com enorme agregação de valor. Os produtos paraenses não sofreriam com barreiras ambientais que nos serão impostas em bem pouco tempo, pois teríamos regras claras e transparentes para provar nossa capacidade de governança. Enfim poderíamos mostrar a todos que comprar nossos produtos é o mesmo que ajudar a população local, que ajudar a preserva a floresta e etc., criando assim certa boa vontade do mundo em negociar conosco.
Não digo que essa visão otimista acima seja utópica, mas é com certeza um sonho difícil de ser alcançado. Acho tão difícil que até estou decidido a não ficar esperando para ver e tentar novos desafios!
E na visão pessimista?
Wagner - No cenário pessimista, os avanços na prática continuariam em passos de tartaruga. Sobre a influência do ambientalismo radical e inconseqüente, o Estado seria regido pelo Ministério do Meio Ambiente, Incra, Ministério Público entre outros órgãos de fora que não entendem o estado como um todo. As ações desses órgãos seriam unicamente de comando e controle, que por conseqüência geram uma imagem negativa, e como resposta o poder público como sempre cria mais burocracia ineficaz, que cria o ambiente ideal para a venda de facilidades. Nesse cenário, as empresas que insistirem em trabalhar na legalidade irão quebrar, seja pelo alto custo de se manter assim, seja pela perseguição dos que se beneficiam dos esquemas de venda das facilidades, ou ainda pela perseguição de alguns que até de boa fé ajudam a perseguir um setor inteiro sem distinção de bons e ruins, sem entender as causas e complexidades que levam muitos e não conseguir cumprir toda a legislação.
Nesse cenário, por total falta de credibilidade e com uma péssima imagem, o mercado externo, se fecharia ou criaria enormes barreiras ambientais aos nossos produtos, e provavelmente grandes varejistas globais que atuam no Brasil fariam o mesmo.
As conseqüências óbvias são aumento miséria, da informalidade, queda na arrecadação e no poder de investimento do Estado, piorando ainda mais os serviços públicos de saúde, segurança e educação e etc., num ciclo vicioso extremamente danoso para todos. O por ironia o desmatamento deve continuar sem controle, pois as pessoas no interior vão fazer o que for necessário para "lutar pela vida", e isso inclui novos desmatamentos para produzir comida e venda ilegal de madeira para gerar renda.
Obviamente deve acontecer algo entre esses dois cenários extremos, só espero eu seja mais para o lado otimista, que é completamente factível, embora no curto prazo não consiga ver as lideranças que citei acima conseguirem criar esse pacto!
"Acho tão difícil que até estou decidido a não ficar esperando para ver e tentar novos desafios!"
No Pará, a maioria dos municípios desenvolve atividades madeireiras, e em alguns deles, esta é a principal atividade econômica. Com esse "apagão florestal", como os municípios estão reagindo no âmbito econômico e social?
Wagner - A população aqui no Pará, principalmente no interior está sofrendo muito. O desemprego é alarmante. Alguns prefeitos me disseram não saber mais o que fazer, pois não há emprego e nem esperança de grandes mudanças no curto prazo.
É dramático, pois quando não há um caminho a ser seguido, a sociedade se perde! A conseqüência obvia é o aumento da violência, da prostituição e do trabalho informal na luta diária pela sobrevivência. Acho que os índices oficiais nem se quer registram a dimensão correta dessas coisas, pois basta visitar alguns municípios para ver o caos.
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