A celebração anual da economia de consumo americana - a temporada de compras do fim do ano - está em curso, e a Wal-Mart, o rolo compressor do varejo, parece já ter feito sua primeira vítima. A proprietária das lojas FAO Schwarz disse na semana passada que pediria falência.
Lamentando a notícia, analistas explicaram que a fórmula da FAO Schwarz de vender brinquedos caros em lugares suntuosos não poderia resistir ao firme avanço da Wal-Mart no setor. "A Wal-Mart vai roubar o Natal?", perguntou uma manchete da revista Time.
A guerra dos brinquedos é só a manifestação mais recente do que é conhecido como o efeito Wal-Mart. Para os críticos, a companhia mostra o caminho para um sombrio mundo darwiniano de concorrentes falidos, baixos salários, benefícios de saúde miseráveis, empregos perdidos por causa das importações e centros urbanos e áreas rurais devastados por todos os EUA.
Mas há uma visão mais ampla e menos partidária da companhia, que, talvez com mais visibilidade que qualquer outra, marcha conforme o ritmo da economia global. "A Wal-Mart é o fim lógico e o futuro da economia numa sociedade cujo valor dominante é conseguir o melhor negócio", disse Robert B. Reich, ex-secretário do Trabalho americano.
Para seus defensores, a Wal-Mart é um agente de virtude, usando seu poder para obrigar os fornecedores a se tornar mais eficientes e passar os ganhos aos consumidores na forma de preços mais baixos. Os entusiastas dizem que a Wal-Mart é uma grande razão da inflação quase zero e dos grandes ganhos de produtividade.
Há muito a ser dito sobre conseguir o melhor negócio, afirmam economistas.
Os preços, observam, são essencialmente um parâmetro de eficiência, traduzido em termos de consumo. Os preços são concretos e mensuráveis, enquanto outros valores do consumo e do bem-estar social - como qualidade do produto ou preservação do emprego - são freqüentemente difíceis de quantificar ou exigem intervenções custosas, como protecionismo ou subsídios.
Além disso, observam economistas, os preços mais baixos para os tipos de produtos básicos à venda na Wal-Mart, como alimentos e roupas, beneficiam especialmente os menos ricos. Os preços dos produtos de mercearia, por exemplo, caem em média de 10% a 15% em mercados nos quais a Wal-Mart entra, dizem analistas.
"A Wal-Mart é a melhor coisa que já aconteceu para os americanos de baixa renda", disse Michael Cox, economista do Federal Reserve (o banco central).
"Eles podem esticar seus dólares e comprar coisas que não poderiam de outro modo." A Wal-Mart é a maior corporação americana em termos de vendas - US$ 245 bilhões no ano passado. Ela é hoje o maior vendedor de produtos de mercearia, brinquedos e móveis. Mais de 30% das fraldas descartáveis compradas no país são vendidos em lojas Wal-Mart, assim como 30% dos produtos para cabelo, 26% da pasta de dente e 20% da ração para animais. A Wal-Mart tem quase 3 mil lojas nos EUA, e planeja acrescentar outras mil em cinco anos. Numa velocidade crescente, a companhia leva sua fórmula ao exterior; a Wal-Mart é hoje o maior empregador privado do México.
A perspectiva de a Wal-Mart acumular ainda mais poder de mercado não preocupa defensores do mercado livre como Cox. Apesar dos ganhos da companhia, o setor do varejo ainda não está muito concentrado, disse, pois a Wal-Mart responde por 20% das vendas dos 100 maiores varejistas. Seu sucesso foi obtido, afirmou Cox, com a tecnologia da informação para agilizar as operações.
Inevitavelmente, rivais menos eficientes serão peneirados, acrescentou, e os que permanecerem competirão agressivamente pelos dólares do consumidor. "Com a nova tecnologia da era da informação fomos para uma nova estrutura de mercado em vários setores. E o número ideal de empresas caiu".
O antitruste tem sido tradicionalmente a ferramenta para garantir a competição e manter a vigilância sobre as companhias poderosas. Mas a evolução da política antitruste ao longo dos últimos 30 anos - enfatizando o preço, não o número de concorrentes - na verdade favoreceu empresas como a Wal-Mart.
No passado, a política antitruste supunha que mais companhias significavam mais competição, o que era bom para os consumidores. O Ato Robinson-Patman, de 1936, proibiu a discriminação de preço, ou desconto, para compradores diferentes quando o efeito era diminuir a competição. Na época, a finalidade da política antitruste era refrear as grandes empresas e proteger as pequenas.
O tom populista do antitruste continuou por décadas. Mas a tendência intelectual mudou nos anos 80, quando se enfatizou que os preços seriam o termômetro do bem-estar do consumidor. A concentração de mercado e o tamanho das companhias significavam pouco. Se as grandes companhias aumentavam os preços, eram más. Mas se, como a Wal-Mart, obtinham maior eficiência com economias de escala e passavam os benefícios aos consumidores na forma de preços mais baixos, eram elogiadas.
"Nosso pensamento sobre antitruste nos levou a um mundo econômico representado pela Wal-Mart?", perguntou Andrew Gavil, professor na Universidade Howard. "Diria que sim. A questão mais difícil é saber se isso é bom ou ruim." Para continuar cortando custos, a Wal-Mart é rígida com seus fornecedores. Vender para a Wal-Mart é, todos dizem, uma brutal meritocracia. Fabricantes têm sido obrigados a demitir depois que a Wal-Mart cancela encomendas quando outro vendedor reduz seus preços em alguns centavos. Outros fornecedores têm optado por operações de baixo custo na China e outros lugares quando pressionados pela Wal-Mart a cortar os custos ainda mais.
Aqui também, muitos analistas vêem nas práticas da Wal-Mart simplesmente a liderança do impulso inevitável para tornar a economia mais eficiente. "A Wal-Mart é agressiva, mas totalmente honesta e direta no trato com seus fornecedores", disse Michael Silverstein, vice-presidente do Boston Consulting Group. "A Wal-Mart obrigou os fabricantes a se organizar e a competir internacionalmente." Há algumas evidências de que a paixão da companhia pela eficiência foi longe demais. Os detratores apontam para um rastro de litígios por questões de avareza, como horas extras não pagas, e para uma investigação federal sobre o uso de imigrantes ilegais como empregados. A Wal-Mart insiste que nenhum problema reflete a cultura da companhia como um todo. "Se alguma crítica válida surgir, a reconheceremos e melhoraremos", disse Ray Bracy, vice-presidente da Wal-Mart.
O crescente poder da Wal-Mart atraiu atenção redobrada dos reguladores federais e estaduais. Porém, enquanto ela oferecer preços baixos, eles provavelmente relutarão em agir além dos processos por infrações relacionadas ao emprego. O comportamento clássico de uma corporação predatória é cortar os preços para expulsar a concorrência, a fim de aumentá-los mais tarde. Ainda não há evidências de que esta seja a estratégia da Wal-Mart.
"Os consumidores ganharão grandes benefícios com a Wal-Mart enquanto ela tiver concorrência real", disse Reich. "O temor é o de ela se tornar tão poderosa a ponto de asfixiar a concorrência injustamente."
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