Não faz absolutamente nenhum sentido. É loucura, e definitivamente não é do interesse dos consumidores.
Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia sobre o subsídio americano ao etanol doméstico.
“Diga não a venda do etanol! O etanol é nosso.” É só o que falta ouvirmos sobre este combustível e sobre a possibilidade de efetuarmos um acordo com os EUA que contemple a maioria dos interessados. “Segredo nacional” que não pode ser dividido com os gringos, dizem os protecionistas que já perderam o bonde da história. Quem expropria a riqueza nacional não é o comércio externo, mas o próprio estado através de seus tributos acachapantes. A carga tributária incluída na energia corresponde a 43,7% em média da conta paga pelos consumidores. Se as estatais que controlam a produção energética no país não abrem seu capital para investimentos, qual afluxo de capital pode ser garantido? É da governança corporativa e da transparência, que fogem as estatais.
Por outro lado, a obtenção de licenças ambientais, no caso as prévias que não garantem a licença de operação, podem levar até dois anos. Isto muito embora o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) preveja sua obtenção em, no máximo, 12 meses. Estes são alguns obstáculos reais, ameaças reais ao nosso desenvolvimento e não um paranóico “interesse externo”. Quem dera houvesse mais e mais interessados em produzir e comprar o que é nosso.
Planejamento também parece ser uma palavra ausente no dicionário de nossos ministérios. Contar com a alta do preço do petróleo para o sucesso do etanol é, no mínimo, medíocre. A perspectiva tem que ser outra, a do rebaixamento dos custos de produção. Nunca é demais lembrar que se para uma OPEP as reservas de petróleo estão “sempre em vias de se esgotar”, esta mentira que tem um propósito definido, o de inflacionar o preço do barril. Para a Agência Internacional de Energia (AIE) se estima a oferta do óleo para, pelo menos, mais um século.[1] O problema envolvendo o petróleo não é de oferta, nem tecnologia, mas sim político regional. São os conflitos e guerras locais que tendem a manter a oferta reduzida. Sempre que se falou que um poço tem capacidade para mais dez anos, ele acabou produzindo por mais algumas décadas.
Por outro lado, uma vertente crítica acusa a produção de etanol como causa da inflação do preço dos grãos. Como sempre, é a retrógrada ONU, com suas agências como a FAO e a OCDE, cujas premissas protecionistas e sedução tarifária enfatizaram em relatório um aspecto decorrente da produção. Esta maneira de analisar a realidade é singular: isola-se um setor econômico dos outros, se analisa o reflexo da produção de etanol no preço dos alimentos sem considerar os reflexos na produção em regiões que serão incorporadas à fronteira agrícola como produtoras, nem no campo do emprego que será largamente beneficiado pela estruturação de toda uma cadeia produtiva. Aspectos positivos para que? São “irrelevantes”... Não se os analisa porque afetam pouco os aspectos negativos ou porque o saldo final seria positivo? Silêncio, a ONU, a OCDE e o livro do destino se fecham para nós.
Mas, seu custo não se compara ao atual do petróleo. Se há algo que onera a qualidade de vida dos consumidores no mundo, é a escassez energética e no Brasil, o peso do estado. Se os Estados Unidos desejam reconstruir sua matriz produtora de energia, mesmo que parcialmente, aí está uma “égua selada passando debaixo de nossos narizes”. É uma oportunidade única que, independente de quem quer que seja que esteja no nosso governo, não podemos desperdiçar. O preço dos alimentos aumentará? So what? Isto é temporário, pois criará uma demanda que induzirá outras regiões a produzirem alimentos, redistribuindo oportunidades de produção para outras regiões no mundo. Ao final das contas, a maioria ganha e a minoria acomodada terá que se adaptar. Capitalismo sem crises e reestruturação não é capitalismo. Ao final das contas, isto é que torna este sistema tão criativo e dinâmico.
Imagine se, realmente, os Estados Unidos conseguirem reduzir sua dependência de petróleo em 20% em dez anos, como quer George W. Bush? Nada melhor para tirarmos a vaca do brejo, seríamos uma espécie de Arábia Saudita tropical, com o benefício de não termos como subproduto, as brigas pelo monopólio da produção que existem entre as oligarquias árabes.
E seria uma miopia se vislumbrássemos apenas os EUA. No rico interior paulista, japoneses projetam a construção de mais de 40 destilarias para a produção de combustível para exportação. Negociar com gringo inclui o respeito aos contratos, diferente do que se viu com o “império inca” recentemente. Qual o problema disso? Negociar com “líder bolivariano” implica em se sujeitar às mudanças nas regras do jogo no meio do campeonato. Deve ser efeito da altitude... O que estes novos caudilhos latino-americanos não percebem é que há um grande leque de opções energéticas, dentre as quais a nuclear é a grande vedete e outras, como a eólica têm crescido em demanda.
O Brasil já suplantou os EUA como maior exportador de soja. Já atingiu a primeira colocação na produção de carne bovina e agora tem a possibilidade de dobrar sua produção de cana de açúcar. Não nos deixemos levar pelo pessimismo que, confundindo política de estado com governo, nos leva a uma oposição infantil ao etanol só porque parte de um governo do qual podemos discordar em outros (vários) quesitos. O que o Brasil deve ter em mente é que tem, momentaneamente, a faca e o queijo nas mãos. Mas, só por enquanto... Assim como a China fez com as suas Zonas Econômicas Especiais atraindo capitais do mundo inteiro e oferecendo mão de obra barata e desburocratização, o Brasil deveria fazer de modo similar aproveitando-se de sua tecnologia no setor, infra-estrutura (a desenvolver) e fatores naturais favoráveis como o maior período de insolação, por exemplo. Mas, se ficarmos “de frescura” discutindo a “essência do colonialismo agrário” ou qualquer outra bobagem, nos suplantarão fácil, fácil. Vários produtores mundiais estão se adiantando neste quesito e não será por falta de diligência que pecarão. A própria China prepara seu zoneamento agrícola para alavancar a produção de etanol nacional.[2] Se houver sinal de vida inteligente no Planalto, acordos de transferência de tecnologia deverão ser implementados. Mas, “sentar em cima da mina”, como se fazia nos anos 60 e 70 com a exportação de minérios obrigando que cada empresa portasse capital nacional majoritário, só deslocará investimentos e produção para outras paragens.
Não só a China, mas também, quem sempre joga para ganhar está mudando a face de parte de sua paisagem rural. O estado do Iowa, por exemplo, não está beneficiando apenas os produtores locais. Já há centenas de pequenos investidores, e outras de porte como a John Deere. Ao invés de tributar “atividades poluidoras”, Washington enxergou nisto a possibilidade de reduzir poluentes gerando mais empregos. E que o Brasil apresenta como vantagem? Solos, clima, mão de obra? Na verdade, uma combinação que faz com que nossa produção tenha metade dos custos da UE e 2/3 nos EUA.
Temos mais algumas vantagens. O subsídio ao etanol doméstico pelos EUA é insano, como diz o “governator” Arnold Schwarzenegger. A produção deles é próxima da nossa, mas diferentemente, sua demanda é muito maior. Enquanto que alguns de nossos obstáculos são emissões de “selos verdes” para produção ambientalmente sustentável, de acordo com normas ambientais brasileiras e européias, a produção americana tem reflexos no preço do milho que é sua matéria-prima para etanol e está na base de sua dieta. Há ainda algumas vantagens ambientais, pouco comentadas aqui, como subproduto do bagaço de cana, ainda é possível produzir biocombustível do lixo urbano. E, dá um gostinho especial saber que no longo prazo, os governos que usam e abusam de seus estoques de hidrocarbonetos, como a Bolívia de Morales, o Irã de Ahmadinejad, a Rússia de Putin, a Venezuela de Chávez terão seu poder de barganha diminuído.
O problema brasileiro fundamental é outro. A Bahia apresenta excelentes condições para a produção, mas a falta de infra-estrutura e logística, obriga a trazer 80% do álcool consumido de estados vizinhos. E, pior do que isto, sempre cabe a lembrança de que o que traz benefícios ao Brasil a partir do exterior, nem sempre é devidamente aplicado no mercado interno. Não devido a torpe visão terceiro-mundista de que adquirimos “dependência” com a globalização, mas sim porque, internamente, há sempre um “atravessador” que monopoliza tradicionalmente a produção. Seu nome: Petrobras. É a ela que devemos temer. Imagine os estoques de etanol sendo controlados por esta empresa. Alguém duvida que os preços não seguirão sua lógica monopolista ou sofrerão manipulação política?
O que falta aos críticos do etanol é perceber que este não será a salvação na substituição do petróleo (longe disto), nem o fruto maldito (através de um suposto neocolonialismo), mas uma entre tantas das formas de se produzir energia. Tal como na globalização se obtém alternativas de comercializar com diversos parceiros, as diferentes fontes energéticas somadas, diversificam a matriz energética retendo altas ou até reduzindo seus custos. A baliza que temos que adotar é o interesse dos consumidores. Isto serve tanto a nós brasileiros, quanto a qualquer povo. Mais do que do interesse de grupos específicos alojados em setores específicos, o planejamento estatal tem que visar a demanda do mercado. É nela que deve residir o foco para contratos e políticas.
[1] “ ‘Todo dia surgem notícias de que as reservas têm um limite ou que são muito maiores do que se imagina. Não parece ser isso que vai definir por quanto tempo vamos usar o petróleo’, argumenta o professor Celso Lemme, do Instituto Coppead de Administração da UFRJ. O que deve determinar até quando o petróleo será utilizado é a velocidade com que os combustíveis alternativos ganharão competitividade no mercado – vale dizer, escala e preços compensadores.” (http://amanha.terra.com.br/edicoes/232/capa01.asp).
[2] “Mas a introdução do biocombustível não será tão fácil como os próprios chineses esperavam. ‘Fizemos estudos e notamos que não podemos simplesmente passar a produzir no campo matéria-prima para combustível sem ver o impacto que isso poderá ter no fornecimento de alimentos. Com 1,3 bilhão de pessoas, nosso equilíbrio entre terras destinadas ao cultivo de alimentos e garantir que a fome não aumente é algo fundamental’ (...) Segundo o chinês, a falta de terras aráveis na China é um sério obstáculo para o etanol.” (Jamil Chade) Newsletter diária n.º 992 - 09/07/2007 - http://amanha.terra.com.br/. Esta dificuldade alheia deveria ser aproveitada por nós. Até onde nosso Itamaraty enxerga, em termos de visão estratégica, eu não sei, mas se isto não se contempla e, por contraposição, se visa reforçar laços com governos decrépitos como os de Chávez e Morales é alarmante.
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