Parece que não só os leprechauns têm exagerado no uísque e na Guiness, os teóricos da conspiração devem ter esvaziados os canecos antes...
A Irlanda votou ontem plebiscito que decide a aprovação do Tratado de Lisboa sobre as políticas econômicas de Bruxelas, assim como o aborto e a eutanásia.
Meu ponto aqui não é o tratado em si, mas sim as análises que o vêem como uma ameaça à soberania nacional, no caso a irlandesa.
Eu já visitei aquele pequeno país de cabo a rabo e o que mais vi nas estradas depois do asfalto recém colocado foi uma placa padrão que dizia “obra construída com recursos da União Européia”. Só ingênuos para não compreenderem como um país atrasado e pobre, atolado no lodo do tradicionalismo, pôde demonstrar tamanha pujança econômica atual.
Claro que eles fizeram suas reformas econômicas, sem dúvida! Mas, de onde se acha que vieram os recursos que estas reformas visaram atrair?
Só mesmo uma brutal ingenuidade para sustentar a crença de que este tipo de legislação mais liberal e permissiva à atração do capital se configura numa espécie de “autoritarismo europeu”. Só a completa ignorância para desconsiderar que a Irlanda utilizou um expediente de “guerra fiscal” à escala do estado-nação. O que prova que não existe uma submissão que os paranóicos querem enxergar num suposto “governo mundial”.
Se hoje em dia os ganhos econômicos de se integrar à União Européia parecem “arquievidentes”, nem sempre foi assim. À época de sua implantação, o empreendimento europeu era incerto e, só mesmo com a economia em frangalhos para se requerer a constituição de uma organização supranacional em detrimento do velho e seguro porto do nacionalismo. Mas, assim como não se pode levar o bônus sem carregar o ônus, não se pode ver o céu sem morrer...
Porém, acordos subentendem a aceitação de suas partes e, no caso, a U.E. não exerce “autoritarismo” algum, não porque Bruxelas não o deseje, mas simplesmente, porque não dispõe desta força. Querer nunca foi sinônimo de poder... A U.E. é tão “autoritária” que as lideranças dinamarquesas tiveram que fazer dois plebiscitos nos anos 90 porque no primeiro, o Tratado de Maastricht fora rejeitado pelos cidadãos dinamarqueses. A U.E. é tão “autoritária” que os espanhóis riram quando Copenhague quis proibir as touradas ou os bancos europeus quiseram que seus funcionários na Espanha deixassem a sesta e se adequassem ao padrão de seus horários. Evidente que não passaram tais determinações e a Espanha segue como uma das mais bem sucedidas economias européias. Aliás, ouso dizer que foi o país que melhor entendeu e se inseriu na globalização econômica mundial sem abdicar de suas particularidades culturais.
Não é tão simples assim o modus operandi da organização, nem “de cima para baixo” como vaticinam nossos “teóricos do globalismo”.
E arrisco a dizer que se fosse uma condição para sua permanência, acatar esta determinação de Bruxelas, Dublin se submeteria. Afinal, entre a realidade do atual “Tigre Celta” e o que passaram os irlandeses retratados por um “As Filhas de Ryan”, os cidadãos daquele país não devem ter dúvidas em optar pela primeira.
Porém, tal hipótese de um “jogo de soma zero político” sequer se configura. O que me impressiona não é o fato de que paranóicos descartem a realidade para fazer valer suas teorias conspiratórias. O que realmente me impressiona é que mesmo após os casos em que uma determinação de fora é rejeitada, provando que a U.E. não exerce a influência de que é acusada e, muito menos, uma suposta autoridade, mesmo assim se busca a confirmação de “autoritarismo!” Ora, qual autoritarismo se ela não é obedecida? Os dados são esfregados na ara do observador e, mesmo assim, a realidade não só é rejeitada como se tenta encaixa-la em uma hipótese ad hoc. Impressionante!
“Ideologias fast-food”, respostas rápidas e assimiláveis caem bem para aqueles que não têm compromisso com a refutação. Para esses é inadmissível que normas jurídicas do “superestado europeu” possam ser acatadas através de um plebiscito. Os teóricos do globalismo, na verdade, parecem não querer admitir que algo possa ser, democraticamente, aceito e implementado. Talvez, porque a democracia lhes pareça uma inconveniência...
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