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a.h

Tuesday, August 26, 2008

O poder dos "lagos"



Sexta-feira passada, dia 22, o destróier americano USS McFaul e a fragata polonesa General Kazimierz Pulaski cruzaram o Estreito de Dardanelos controlado pela Turquia (aliada da Otan) em direção ao porto de Batumi na Geórgia. Um dia depois foi a vez das fragatas espanhola, Adm. Don Juan de Bourbon e alemã, FGS Luebeck deixarem o Bósforo em direção ao Mar Negro.

Enquanto o cruzador russo, Moskva deixou o porto ucraniano de Sevastopol em direção ao Mar Negro para um teste de armas e comunicações, a fragata USS Taylor atravessava Dardanelos. Monitorando seus movimentos, o USS Mount Whitney e o US Coast Guard Dallas trocavam informações.

Os antigos gregos definiam o Mar Negro como ‘inóspito’ ou o contrário de acordo com seu nível de controle sobre o mesmo. A última campanha militar significativa no mesmo data de 1916. Antes disso, na Guerra da Criméia, o czar Alexander II amargou uma derrota dramática. Quase um século de calmaria em suas águas, já estava passando da hora de suas ondas se levantarem novamente...

Trata-se de uma área rica em recursos (minérios, terras férteis, plantas industriais, passagens estratégicas), mas também de gritante fragilidade, especialmente para a Rússia que nunca dominou apropriadamente os mares. O foco do conflito não se dará nas montanhas (onde os russos têm vantagem), mas nele mesmo, o Mar Negro. E isto que ainda não temos a presença de nenhum porta-aviões. Uma questão de tempo...

A presença russa na Península da Criméia tem significado estratégico, mas é controlada pela Ucrânia (ao norte do referido mar) e a borda meridional deste mar tem controle turco. Isto, para não falar do gargalo representado pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos que conectam o Negro ao Mediterrâneo. Desnecessário também complementar que a força russa neste é pouco mais que zero.

A Rússia é um poder terrestre, sempre foi, num mundo formado majoritariamente por água. Fronteiriça de países fracos como a Geórgia a leste ou próxima de outros igualmente frágeis como Moldávia, Romênia e Bulgária a oeste, em ambos os casos seus movimentos são limitados, respectivamente, pelas montanhas do Cáucaso e dos Cárpatos. Se isto limita os russos, também os protege. Portanto, qualquer ameaça real ao âmago do poder russo passa pelo Mar Negro. E é aí que se dirigem as forças ocidentais. Arrisco-me a dizer que é conveniente, pois servirá (também como pretexto) para um maior aprisionamento do Irã e do Iraque. Depois dessa, talvez sem perceber, os russos acabaram por ajudar os americanos...

Se futuramente Ahmadinejad reclamar em algum fórum da ONU da ameaça vinda a noroeste irão lhe dizer para se queixar com a dupla dinâmica, Medvedev e Putin. Triste ironia... Para ele, feliz para mim.

O trajeto liso e sem obstáculos naturais tentado por tiranos como Napoleão ou Hitler não deu certo. Por que agora, as forças democráticas do livre-comércio deveriam insistir no erro? Ataque pelo baixo ventre. Se o tórax é protegido, chute no saco.

Lembremos também de um detalhe: justo ao sul, se concentra as regiões produtoras de petróleo da Rússia européia, Tatarstan e Bashkorostan. Em último caso, sob pressão, um bombardeio nelas traria a glória para aliados de ocasião, como o Irã, cujas reservas aumentariam proporcionalmente de peso na oferta global de combustíveis.

Para os europeus, o Mar Negro nunca foi uma rota privilegiada, mas sim um limite para seus exercícios terrestres. Do outro lado, foi o que se deu com os Otomanos que marcharam até Viena pelos Bálcãs e não fizeram do Mar Negro seu meio de travessia naval. Mesmo seu domínio sob a Península da Criméia (1441-1783) nunca foi de todo efetivo. Durante a Guerra Fria, o Mar Negro padeceu comercialmente, pois o Danúbio, sob domínio soviético, atravessava e desaguava em sua área de influência. Hoje é diferente e aquela área interessa aos europeus.

O Muro de Berlim caiu e as hostilidades cessaram no território ex-Iugoslavo. Agora, a economia do gigante alemão dá as cartas. Em termos de logística, é muito mais barato escoar a produção da Europa Central pelo Mar Negro do que por terra e pelo Mar Báltico. Se isto for fechado, a Europa sentirá. Desta forma, os americanos já estão se posicionando para garantir sua passagem e permanente abertura. Para a Ucrânia nem se fala... Única nação ex-soviética com rios permanentemente navegáveis, o Dnieper e o Dniester. Os rios russos, por sua vez, congelam boa parte do ano e desembocam em pleno Ártico. Nesta situação, servem mais como escorregador para foca que transporte de carga.

Se o Mar Negro é uma benção econômica para a Ucrânia, também é uma praga geopolítica. Há uma população crimeneana etnicamente russa e pró-russa, especialmente no porto de Sevastopol. Aí está um dos pontos nevrálgicos do conflito.

Se para a Rússia, a importância deste mar está na posição estratégica de controle sobre os recursos provenientes do Cáspio, para a Geórgia e demais caucasianos é fundamental, aliás, a única passagem.

Há dois focos de povos russos no Mar Negro: na costa georgiana e na Criméia. Já, ao longo do Cáspio, ela é reduzida. Convém agora a Otan se enamorar dos azeris. Ofertas deverão ocorrer...

Se uma operação naval projetar-se ao Rio Don entre Rostov-on-Don e Volvogrado (ex-Stalingrado), Moscou será eliminada da rota caucasiana e das imensas fontes de energia da região. Afortunados serão os ucranianos que poderão barganhar com Washington e Moscou.

Corpos expedicionários britânicos e franceses tentaram-no durante a Guerra da Criméia invadindo Sevastopol através do Mar de Azov. Isto é inadmissível na Era Nuclear. Mas, no caso extremo, este será o corredor para um vetor decisivo do conflito: Criméia-Don-Volvogrado.

A Turquia se acha populacionalmente concentrada nos estreitos. Suas costas setentrionais (sul do Mar Negro) são de um relativo anecúmeno. Suas ásperas montanhas setentrionais servem de bloqueio às rotas comerciais e estas se localizam, preferencialmente, no Mediterrâneo.

Exceto por rotas alternativas (e mais onerosas), o controle do Mar Negro e, subsequentemente, da Europa Central e da Rússia neste cenário se encontra em mãos de Ankara. Historicamente, o Mar Negro foi uma área de hegemonia turca. Seus rivais eram os fracos países centro-europeus e a Rússia. Já no Mediterrâneo havia os venezianos, genoveses, depois italianos, franceses e ingleses como rivais a altura.

Mas, seu controle sobre o mar, particularmente a Península da Criméia nunca foi vital ao Império Otomano como foram os Bálcãs. No entanto, seja nas guerras russo-turcas do século XIX, seja na I Guerra Mundial, a Rússia nunca conseguiu eliminar a resistência turca no Mar Negro. Sua posição funcionou como um verdadeiro forte a expansão russa no Mediterrâneo. Consequentemente, hoje em dia, o Mar Negro é um verdadeiro “lago da Otan”. E o gargalo formado pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, tirante os acordos internacionais sobre seu uso, está sob controle turco. Da Turquia como membro da Otan. Mais ao sul, temos o Mar Egeu, também controlado pela Otan. Se, por um milagre, a Rússia furasse o bloqueio de Dardanelos não escaparia do labirinto no Egeu. Seria como um carneirinho solto na alcatéia. E somadas as marinhas e força aérea com apoio terrestre e naval, o Mediterrâneo inteiro é outro “lago da Otan”.

A Rússia, em que pese seu enorme poder terrestre, está ilhada, circundada por mares hostis. Por onde, em última análise teria que enviar suas forças para anular o contínuo abastecimento de forças opostas.

Na economia da guerra, o avanço pelo norte plano ou pelos íngremes Cárpatos contra a Rússia teria um custo imensamente maior. Se eu fosse teísta, diria que o bom deus agraciou os ocidentais com o Mar Negro, esta ponte ameaçadora que permite projetar um ataque visceral contra um senhor Calcanhar de Aquiles de Moscou.

Nem se precisaria invadir o território russo para obliterar seus movimentos. A imensa e inexpugnável marinha americana pode estacionar nos estreitos turcos e tomar a base-porto russa na Criméia com o apoio ucraniano (quem já se indispôs com Moscou). Só isto já seria mais do que suficiente para lançar ameaças permanentes contra a rota de suprimentos energéticos russos e seu envio de combustíveis a Europa. Com a Europa ao lado dos EUA, para quem os russos escoariam sua mono-produção de país periférico do capitalismo mundial?

Obviamente que se trata de uma tática ofensiva. Soa como total disparate comparar isto com a estratégia defensiva da Inglaterra na II Guerra Mundial.

Detalhe: estamos na época de porta-aviões e naus com lançadores de mísseis teleguiados quando lá, no Mar Negro, encontra-se a frota mais frágil da marinha russa. Sua maior força concentrada no Báltico, não conseguiria entrar no Mediterrâneo, no Egeu e no Negro, estes “lagos da Otan”.

A força aérea americana, por sua vez, está presente na base aérea turca de Incirlik. Analogamente, aeroportos na Grécia, Bulgária e Romênia também podem sediar forças americanas e demais países da Otan devastando o poder naval russo se necessário.

Além da bem-equipada força aérea, os turcos têm mísseis de cruzeiro submarinos que podem atingir o território russo. E estamos concentrados no Mar Negro. É possível ainda adicionar o posicionamento americano no Mar de Barents, no Báltico, no Mediterrâneo e no Egeu. Como garfos, seus projéteis facilmente transformariam a Mãe-Rússia num queijo suíço.

A única chance de vitória para a Rússia consistiria em poder neutralizar a Turquia.

Sem isto, nem com reza brava em Igreja Ortodoxa.

A geografia russa sempre foi um fator a neutralizar o desenvolvimento naval russo. A Ucrânia serviu, convenientemente, como estado-tampão a Moscou por séculos. Chegou a hora de Kiev dar um basta a isto.

Embora tenha tentado por mais de um século ultrapassar este obstáculo ao seu desenvolvimento como potência militar, a Rússia não logrou êxito. Sua derrota contra o Japão, no início do século XX foi uma guerra em que a logística falou mais alto que a estratégia. Os russos mal conseguem controlar seu próprio território, quiçá dominar mundialmente ou, mais modestamente, uma porção continental.

Senhores e Senhoras,

O que estamos assistindo é a inspiração do epitáfio da Mãe Rússia. Este é apenas o prelúdio de uma época vindoura de desagregação exponencial de seu território. Gerações futuras de russófilos amaldiçoaram os nomes de Medvedev e Putin.

Com tudo que conseguiu no auge dos tempos soviéticos, a Rússia nunca se fixou como potência no Mar Negro. Isto é fato. E seu amortecedor ucraniano hoje, acabou de virar uma imensa incógnita negra emanada sobre o tchernozion.

Hoje, mais do que ontem, a Turquia é a torneira que permite que a energia de uma barragem represada se irrompa sobre as planícies ucranianas. É o árbitro absoluto deste jogo. Sua aliança é chave para a Otan, uma realidade tão inexorável quanto uma lei física.

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