Sardenberg, novamente: em Algo saiu muito errado, o jornalista comenta o significado da guinada da diplomacia brasileira, inicialmente apoiada num bloco “Sul-Sul” de países emergentes para depois, se alinhar com EUA, U.E., dentre outros. O que deve ter sido, em grande medida, devido aos encontros e negociações entre Bush e Lula sobre os biocombustíveis.
O jornalista faz uma pergunta retórica sobre qual linha adotada na política externa brasileira seria a correta, uma vez que claramente endossa a atual. Se a do grupo Sul-Sul quando o Brasil protestava contra os subsídios e tarifas adotadas pelos grandes mercados consumidores ou agora, quando adota uma postura liberal querendo abarcar mercados chinês e indiano:
“Resumindo, a diplomacia Sul-Sul não passava de uma bobagem. O mundo econômico não se divide entre pobres (incluindo emergentes) e ricos. Quando se trata de abrir mercados agrícolas da China e da Índia, o Brasil, com seu agronegócio moderno e exportador, está ao lado de EUA e Austrália, por exemplo. Quando se trata de derrubar tarifas e subsídios de americanos e europeus, o Brasil está ao lado da Austrália, de novo, e da Argentina, por exemplo.”
Acima, Sardenberg resume muito bem o que penso sobre o assunto: a tomada de posição não obedece a princípios ideológicos, se trata de estratégia comercial. Para qualquer um mais afeito ao assunto, o que digo é estupidamente óbvio. Mas, o que é certo nem sempre é seguido por uma trilha reta. Como diz, acordos parciais como o da Alca não atraíram a delegação brasileira que preferiu apostar em seu papel de “líder dos emergentes” em negociações pretéritas da OMC em Doha. Agora que os países emergentes como a Índia foram os principais responsáveis pelo retrocesso, ao procurar proteger seus setores agrícolas mais atrasados, o Brasil se viu do outro lado. O que restou, foram os acordos parciais mesmo. E, acho que um acordo geral só sairá futuramente quando a soma dos pequenos acordos o justificar.
Até aí nada a objetar. Concordo com o texto. O problema é que a certa altura conclui Sardenberg que:
"Será que a retórica diplomática era só para fins políticos internos? Só para
se mostrar de esquerda?Certamente teve esse função, mas durante algum tempo pelo menos o governo acreditou nela. Tanto que causou estragos reais. (...)
De todo modo, a diplomacia brasileira tem que começar de novo, e começar por jogar fora a retórica pobres x ricos. Ao contrário do que sugeriu o presidente Lula, o acordo global, de abertura do comércio, que interessa muitíssimo ao Brasil, fracassou não por causa dos ricos, mas, no essencial, por causa da resistência de países emergentes que insistiram em proteger seus setores ineficientes. E que deram um alívio aos ricos e subsidiados agricultores de EUA e Europa, que estavam se julgando traídos pelos seus governos.O mundo não é simples."
Retórica por retórica, qualquer uma que sirva para atingir seus objetivos serve. Mesmo se for uma fossilizada se esta servir para criticar o protecionismo alheio. Em tempos de globalização, claro que o terceiro-mundismo de Celso Amorim é totalmente anacrônico, mas lembremos que quando os yankees deflagaram a guerra contra os confederados nos EUA, aqueles nortistas travestiram seus interesses de estado contra a ameaça de liberalização comercial do sul – que propunha substituir os manufaturados do norte pelos britânicos, melhores à época – como uma questão de “unidade nacional”. O motivo da Guerra de Secessão não foi somente este, que foi um dos ingredientes de peso.
A contragosto, se a retórica Sul-Sul do Itamaraty surtisse algum efeito positivo contra os subsídios e taxas alfandegárias dos países ricos, detesto admitir, valeria a pena. Algo como um “político bipolar” usando um discurso socialista para atingir resultados liberais, anti-socialistas. Não deu certo, e tudo que restou foi partir para outra. Assim oscilam as retóricas em torno de uma imutável Razão de Estado.
Hoje a conjuntura é favorável à retórica globalizante, mas isto porque na agropecuária o Brasil é competitivo. Seria a mesma coisa se não fossemos desenvolvidos neste setor?
Minha divergência com Sardenberg reside neste pequeno detalhe: o senso de realismo político que pauta as relações entre estados, obrigados que são a agradar a torcida, jogar para a multidão, obriga-os a discursar como se devessem agradar a todos, mesmo que abarquem anseios por vezes conflitantes.
Se for verdade admitir que o mundo é complexo, normas tácitas por vezes se revestem como discursos populistas.
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