Na fronteira sino-russa, o clima predominante parece amalgamar as relações políticas.
Para Pequim, a Rússia sempre foi um aventureiro recém-chegado querendo pleitear o território a leste dos Urais com alguns séculos de atraso. Os esforços russos naqueles confins vêm desde sua reivindicação de territórios no Pacífico durante o início do século XVIII. Enquanto os chineses se opunham ao colonialismo europeu, os russos avançavam sobre porções chinesas no nordeste. Este oportunismo permitiu a anexação da atual província de Amur da China Qing em 1858, cuja fronteira foi estabelecida pelo Tratado de Aigun.
Tratados como este, enfraqueceram a soberania chinesa. A Rússia teve como trunfo a construção da ferrovia Transiberiana no início do século XX, cujo objetivo era a contenção das aspirações coloniais japonesas. O relacionamento entre os dois países melhorou logo após o final da II Guerra Mundial devido à consolidação de Mao Tse-Tung. Stalin, no entanto, tentou forçar a invasão da Coréia do Sul a partir do norte, mas não enviou tropas, apenas armas para a China e quando terminou a guerra, os russos ainda cobraram a fatura de Pequim por seus serviços prestados.
Depois disto, as relações sino-soviéticas se deterioraram. Como estratégia da Guerra Fria, a Rússia se aliou a Índia e o Vietnã do Norte, rivais de longa data dos chineses. A partir de então, o oportunismo foi dos americanos ao se aproximarem da China, o que ajudou ainda mais em seu distanciamento em relação à Moscou. EUA e China apoiaram o Paquistão nas guerras indo-paquistanesas (o que levou a aproximação da Índia à URSS). Cerca de 60.000 uigures – uma minoria muçulmana que os chineses ainda temem por suas aspirações separatistas – escaparam pela fronteira soviética em 1962. Em 1965, o setor energético chinês amadureceu ao ponto de dispensar o petróleo soviético. E Washington fez vistas grossas aos horrores do comunismo chinês ou do Khmer Vermelho no Camboja (aliado chinês e opositor dos insurgentes vietcongs apoiados pelos soviéticos). No cômputo geral, apesar da vitória de Moscou sobre Washington na questão do Vietnã, a Rússia também ganhara um inimigo tão implacável no leste quanto o que já tinha no oeste.
Mas, o evento seminal se deu na separação sino-soviética em uma série de conflitos militares no verão de 1969 na província de Amur. Hoje, China e Rússia são qualquer coisa, exceto sócios naturais. Quando seus interesses econômicos parecem ser complementares, a geografia revela suas fragilidades. Sem mercado consumidor na fronteira, tampouco infra-estrutura significativa, os papéis de produtor e consumidor de recursos têm papel análogo a OPEP com os EUA – de permanente desconfiança que isto sugere.
Estrategicamente, os dois tendem a nadar em raias separadas, em formar associações distintas, ainda que compartilhem regiões limítrofes. Tais regiões, nas quais um estado tende a avançar sobre o outro são zonas de tensão permanentes, cujas posições mudam e fluem com “marés geopolíticas”. O que historicamente se decide facilmente quando um dos estados é forte e o outro fraco não ocorre no caso: ambos os estados são fortes. Atualmente, China e Rússia estão se tornando, mutuamente, fortes com grandes chances de virem a se confrontar em regiões nas quais suas hegemonias se sobrepõem.
À diferença com os EUA é que este país não enfrenta um desafiante similar em seu continente. O Canadá é, de fato, integrado aos EUA. Bases da Otan se encontram no Ártico. A fronteira com o México é formada por um deserto e o 2º estado mais rico da união – o Texas. E o Texas? Ora, ninguém mexe com o Texas! Isto favorece aos EUA se concentrarem em projetos externos. A geografia favorece seu expansionismo... Para que se sintam ameaçados, uma aliança continental equivalente em poderio militar precisaria ser capaz de oferecer oposição à altura. Mantida a tendência histórica da oposição entre China e Rússia, os EUA não têm muito que se esforçar para manter seu atual status.
21 de julho passado, o Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov russo assinou a retirada russa de cerca de 108 km2 do território de Amur. Apesar das dificuldades encontradas na partilha de terras fronteiriças, a primeira coisa a fazer entre estados que buscam uma aliança é parar de se tratar como inimigos. Neste quesito, a Rússia agiu bem cedendo o território tomado da China.
Mas, há muitas razões para duvidar da sustentabilidade desse desenvolvimento. Algumas áreas em litígio podem ser consideradas estrategicamente irrelevantes e sua rendição não ser suficiente para inspirar confiança. A integração econômica regional ainda é difícil por razões diversas, entre as quais as de ordem infra-estrutural. A desigualdade demográfica inspira um senso paranóico entre os russos. Há sete chineses para cada russo e a desigualdade econômica entre os ‘sócios’ é de três para um. Isto é difícil de contornar se não se quiser se admitir haver um líder regional em uma provável união. Mas, o mais importante é que não há nenhum substituto a altura para a China como o mercado americano. Por outro lado, compartilhar a Ásia Central é virtualmente impossível por que não há como dividir os recursos que são importantes para ambos, bem como seus alvos estratégicos.
É difícil crer que o sacrifício de seu território pelos russos irá superar em atração os vínculos que formam a China moderna. Se a Rússia pretende mesmo alguma aliança terá que ir muito além.
* Adaptação de China and Russia’s Geographic Divide. By Peter Zeihan, www.stratfor.com, July 22, 2008. Leia também China e Rússia – 1.
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