interceptor

Novas mensagens, análises etc. irão se concentrar a partir de agora em interceptor.
O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Friday, October 07, 2005

A ocasião fez os ladrões

.
.
[Apesar de discordar, parcialmente, da opinião do entrevistado, particularmente quanto ao tamanho do estado brasileiro e a lógica da sonegação de impostos, bem o peso destes na economia, acho importante alguns dos pontos de vista elaborados...]
.
.
Para o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, a onda de corrupção que varre o governo não se deve à desonestidade dos políticos – e sim ao fato de que é fácil fazer farra com o dinheiro público
Andreas Müller e Marcos Graciani

No dia em que concedeu entrevista a AMANHÃ, Cláudio Weber Abramo acabara de despachar documentos que já repousavam em sua mesa havia quatro meses. “Não tinha tempo mental para cuidar disso antes”, explicou ele. Desde maio, Abramo dedica quase toda sua rotina a monitorar os desdobramentos da crise política. Como diretor executivo da Transparência Brasil – uma ONG que busca meios de combater a corrupção –, ele não pode deixar escapar uma vírgula das revelações que surgem nas CPIs dos Correios e do Mensalão. A trabalheira compensa. Abramo tem sido cada vez mais requisitado para palestrar, e já pleiteia a presidência da Transparência Internacional, a maior ONG de combate à corrupção do mundo. O problema é que a tarefa é cansativa. “Só penso em mensalão. Fiquei monomaníaco”, brinca. Nesta entrevista, Abramo usa adjetivos ainda menos honrosos para criticar a maneira como o governo vem gerenciando a crise. Confira:
.

Como a crise está afetando a imagem do Brasil lá fora?

.

Depende. Se estivermos falando dos investimentos de curto prazo, esses que o Brasil vive captando com elevadas taxas de juros, aí não tem nenhum efeito. O cara decide comprar uns títulos e, no dia seguinte, ele vende. Os escândalos não exercem nenhuma influência, é efeito-zero. A corrupção só afeta os investimentos de longo prazo. Mesmo assim, não dá para chegar em uma multinacional e perguntar: “Você deixaria de investir num país cuja percepção de corrupção é alta?”. Antes de responder isso, o cara calcularia os riscos de se fazer o tal investimento. Ele avaliaria se a percepção de corrupção poderia aumentar seus custos de operação, ou fazer com que um contrato deixasse de ser honrado etc. Isso sim, é um problema.
.

O Brasil vinha evoluindo no Índice de Percepção de Corrupção, o CPI. Depois dos episódios deflagrados em Brasília, quanto o país deverá recuar?

.

Olha, na verdade, não se deve levar excessivamente a sério esse índice de corrupção.
.

Não?

.

Não, simplesmente porque é impossível distinguir os países desta maneira. O ranking da Transparência Internacional é feito a partir de percepções, de opiniões subjetivas a respeito da corrupção em certos países. Essas opiniões são dadas por pessoas ligadas aos negócios internacionais. Mas não há uma medição objetiva. Não é possível ter uma lista com a discriminação de quem é mais corrupto. Como você vai saber se o Brasil é mais corrupto do que a República do Congo, por exemplo?
.

De qualquer forma, você percebe alguma mudança nos níveis de corrupção do Brasil? Estamos piorando?

.

O Brasil tem permanecido no mesmo nível nos últimos seis anos, não mudou nada. Não melhorou e nem piorou: ficou no mesmo nível. A corrupção é uma característica definida. Os países não ficam mais corruptos ou menos corruptos de um ano para o outro.
.

Nos últimos anos, tivemos uma overdose de escândalos políticos e CPIs. Isso não acaba banalizando a corrupção?

.

De forma alguma. Todas as pesquisas a respeito da maneira como o brasileiro encara a corrupção resultam em rejeição. O brasileiro não aceita isso. Ele considera que é um mal a ser combatido. Para o empresário, é mais um fator de custo. Em qualquer um dos casos, a corrupção é rejeitada.
.

Mas sempre se falou que o Brasil é o país do “jeitinho”. A corrupção não poderia ser considerada um problema intrínseco, ou cultural?

.

Essa concepção é muito deletéria para a compreensão do problema e sua resolução. Se a corrupção fosse cultural, as pessoas aceitariam, certo? Elas considerariam isso normal. Mas não é o que constatamos. O brasileiro não gosta de corrupção, essa é a verdade. A idéia de que é um problema cultural se baseia numa noção equivocada: a de que corrupção é causada por uma falha moral. As pessoas pensam que isso só acontece porque existem pessoas “más” na política brasileira. É o que ouvimos: que precisamos de uma liderança, de um choque ético etc. Ocorre que essa perspectiva é meramente moral. Nesse raciocínio, a corrupção só acontece quando há pessoas desonestas. É meio trivial, não?
.

É um raciocínio lógico.

.

É lógico, mas também é tautológico. Não ganhamos nada com isso. Raciocinar dessa maneira não resolve. Você tem de pensar o seguinte: por que existem oportunidades para o indivíduo desonesto agir? Essa é a pergunta que tem de ser feita. Por que um indivíduo que ocupa uma diretoria dos Correios tem oportunidade de manipular uma licitação? Ora, não é somente por desonestidade. É porque o mecanismo permite. A corrupção só existe porque há falhas estruturais no Estado e em suas instituições. Não adianta dizer que é feio. Não adianta fazer vigília contra a corrupção, incluir noções de ética no ensino e tal. Para resolver esse problema, é preciso mexer na estrutura. Tem de agir na gestão. Só é possível consertar a corrupção alterando as condições que a propiciam.
.

Quanto à criação desses mecanismos, você acha que o governo brasileiro...(Interrompendo)

.

Vem falhando gravemente.
.

Historicamente? Afinal, houve escândalos de corrupção em governos anteriores.

.

As falhas são históricas, mas este governo, em particular, vem falhando gravemente. Em 2002, durante a campanha eleitoral, Lula se comprometeu publicamente com o combate à corrupção. Ele assinou um documento com a Transparência Brasil, comprometendo-se a adotar estratégias que seguiam esta linha: a de procurar as raízes institucionais e administrativas do problema. Mas não fez absolutamente nada. E agora fica dizendo por aí que “eu prendo, mato e arrebento”. É tudo conversa.
.

Como você avalia a reação de Lula à crise?

.

Você sabe melhor do que eu. Foi unanimemente um fracasso. Por vários motivos, Lula não está reagindo como deveria, e nem tampouco como poderia. Lula não identificou que há problemas na estrutura: em algumas áreas cruciais, em cargos de confiança, nos métodos de orçamento etc. O caso dos Correios escancarou isso. Deixou claro que as causas da corrupção são institucionais. O sistema, por exemplo, dá liberdade para se nomear pessoas para cargos de confiança. Ocorrem problemas nas leis de licitações de contratos, falta uma legislação que regulamente o direito de acesso à informação... E essas são as fontes da corrupção. Mas o governo preferiu não agir nas fontes. O que o governo fez? Simples: uma reforma ministerial calcada nos mesmos critérios que deram origem à crise.
.

Quais critérios?

.

O de loteamento. Lula fez um loteamento nos ministérios, redistribuiu o poder, inclusive envolvendo uma pasta crítica para as emendas parlamentares, que é o Ministério das Cidades. Não vai resolver nada.
.

A crise pode agravar outros problemas crônicos, como a sonegação? Afinal, tem contribuinte que pensa não valer a pena financiar um governo que gasta mal o dinheiro.

.

Isso não é um raciocínio, é o pretexto. Não é por isso que se sonega impostos no Brasil. Os indivíduos assalariados, por exemplo, não sonegam impostos. Os tributos são descontados direto do holerite, eles sequer têm chance de sonegar. Já as empresas privadas sonegam impostos. Por quê? Porque existe muita vulnerabilidade no processo de arrecadação. Não tem nada a ver com esta justificativa de que o Estado gasta mal o dinheiro. Isso é conversa fiada de mau empresário. Ele sonega porque pode, porque o Estado é ineficiente na arrecadação.
.

Não seria pelo fato de a carga tributária brasileira ser pesada demais?

.

Quem é que considera pesada?
.

Empresários e contribuintes em geral. Quase todo mundo reclama.

.

Eu não considero. Eu não acho. É empresário que diz isso. Não é a minha opinião.
.

Qual é o aspecto da corrupção que mais preocupa: a sonegação de impostos ou o desvio de dinheiro público?

.

Veja bem: o que é corrupção? É o conluio de um agente público com um agente privado em detrimento do interesse público. Isso é corrupção. Público e privado estão sempre envolvidos. Sempre. Especialmente quando não há controles eficientes. A falta de supervisão é um convite à corrupção. Essa é a vulnerabilidade.
.

Hoje, exige-se transparência total das empresas. Muitas companhias brasileiras já adotam até padrões internacionais de governança. Há como adotar essa cultura no Estado?

.

É muito diferente. O acionista de uma empresa privada, o stakeholder, tem um interesse direto, material. Ele quer ver os dividendos dele aparecer. Ele cobra: “Olha, esse negócio aqui está dando muito pouco. O que vocês estão fazendo aí?”. Nesse processo, ele consegue acompanhar a gestão do negócio. No Estado não é assim. Nós não somos acionistas do governo. Nosso direito de influir no que os deputados fazem, no que os vereadores gastam, é muito mais restrito.
.

Existe algum país que possa ser tomado como modelo pelo Brasil no combate à corrupção?

.

Qualquer país rico. Todos os países ricos têm uma percepção de corrupção baixa. Aliás, a renda per capita é o indicador que se relaciona mais diretamente com os níveis de corrupção. Quanto mais pobre é o país, mais alto é o nível de corrupção percebida. O que é fácil de explicar. Um país pobre tem menos dinheiro para investir no aparelhamento do Estado. Já os países ricos têm mecanismos regulatórios e de aperfeiçoamento da máquina administrativa que são bem mais avançados. O setor público é bem aparelhado. Sabia que, em média, entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, entidade que congrega os 30 países mais ricos), 7% da população está empregada no poder público? Veja bem, são os países da OCDE: Estados Unidos, Canadá, Japão, Europa Ocidental, etc. A média é de 7%, exceto nos setores de saúde e educação. Agora, sabe qual a média brasileira? É a metade disso. Apenas 3,6% da população está empregada no setor público.
.

Mas dá para aumentar o tamanho do Estado? Há quem diga que a corrupção ocorre justamente porque o Estado brasileiro está inchado demais.

.

Isso é que os empresários, esses neoliberais querem fazer crer. Esse pessoalzinho que pede para diminuir o Estado não sabe o que está falando. O Estado brasileiro é mal aparelhado. Tem menos gente do que seria necessário. Os servidores não têm qualificação, porque sofrem interferência na carreira pública. Só cresce quem entra no jogo político, como vimos neste escândalo do mensalão, dos Correios. Os países ricos têm um corpo funcional muito mais aperfeiçoado no Estado. Nós também precisamos disso. O Brasil é um país grande, com quase 200 milhões de habitantes. Não é a Lituânia. Veja: temos 5.652 municípios, e todos eles são administrados de forma autônoma. Hoje, no organograma do governo, o município de Cabrobó da Serra, no interior do Piauí, tem tanta autonomia quanto Porto Alegre, por exemplo. É completamente absurdo. As condições de administração são muito diferentes.
.

O governo deveria mudar a maneira como repassa verbas aos municípios?

.

Isso não é só uma questão de governo, é de Constituição. A Constituição obriga o governo a lidar com os municípios dessa maneira. Não se enxerga que a maioria dos Estados e municípios brasileiros são um horror de eficiência administrativa.

.

Por isso temos tanta desigualdade.
.

E com esse cenário pela frente, existe alguma esperança de que o Brasil consiga extirpar a corrupção da máquina pública?

.

Existe. Mas desde que sejam feitas alterações institucionais na máquina, além de melhorias de eficiência na gestão do Estado. Isso até tem acontecido, só que timidamente. Há progresso. Se não houvesse progresso, nós ainda estaríamos divididos em capitanias hereditárias. O progresso acontece. Mas fica difícil de enxergar, porque é muito lento.
.

A reforma política pode resolver o problema?

.

A reforma política precisa ser feita. É importante. Mas só vai conter a corrupção se mexer na estrutura político-partidária brasileira. Do contrário, não vai resolver nada. Vai ser só mais um elemento na Operação-Abafa. Tem gente dizendo aí na praça que tudo vai se resolver com a reforma política. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Sem mudanças estruturais, não tem nada a ver. Trata-se o problema como se tudo derivasse de uma certa maneira de financiar partidos. Logo, se a gente resolver isso, resolve tudo, não é? Conversa...
.

Você acha que as CPIs terão um resultado concreto? Será que desta vez ficará a sensação de que a corrupção foi combatida?

.

Seguramente, os marquetólogos do Congresso vão jogar isso na panela: “Combatemos a corrupção porque cassamos não sei quantos deputados”. Mas é preciso diferenciar as coisas. Se a CPI funcionar, os culpados serão punidos, e ponto. Isso não significa que se combateu a corrupção. Punir culpado não é a mesma coisa que combater corrupção. O Congresso precisa procurar de onde saiu este dinheiro. Dinheiro não nasce em árvore. Esse dinheiro todo saiu da onde? Cresceu porque o Marcos Valério plantou no quintal dele? Tem de olhar isso. Se não olhar, a corrupção vai continuar acontecendo.
.

Afinal, qual deve ser o primeiro passo do governo para acabar com a crise?

.

O primeiro passo é se despir: dispensar os conselheiros que estão agindo junto ao presidente. Entre eles, aquele advogado criminalista que pensa com cabeça de advogado. Ora, o problema que estamos enfrentando, e que o presidente precisa solucionar, é político. Não é uma questão jurídica.
.

Você está se referindo ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos?

.

Claro. As orientações políticas dele são péssimas. Não só o presidente da República, mas todos os depoentes da Comissão de Ética, das CPIs, todos eles agem como se estivessem em um tribunal. Esqueceram que estão em um território político. Isso vai sair pela culatra, não vai dar certo. Infelizmente, o que se pode concluir disso daí é que o país pára. Eu aqui já nem trabalho mais. Só penso em mensalão. 

.
.

No comments:

Post a Comment