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a.h

Wednesday, November 16, 2005

CVRD vs. Índios 2

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Vale e Aracruz sinalizam "mudança de paradigma" empresarial

Rio, 6/nov/05 – Dia 2 passado, a Companhia Vale do Rio Doce publicou como matéria paga, nos principais jornais do país, um comunicado denunciando o que classificou como invasão do núcleo urbano de Carajás (PA) por cerca de 280 índios Xikrin, dentre os quais diversos guerreiros armados, para pressionar a empresa a atender estranhos pedidos de benefícios exigidos pelos índios. A nota, intitulada “A CVRD e as Comunidades Indígenas”, informa que a invasão ocorreu dia 30 passado e que as lideranças dos xikrin ameaçam escalar a invasão às instalações operacionais da empresa com a intenção de paralisar as minas de Carajás caso seus pleitos não sejam atendidos.

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Na mesma nota, a Vale diz ter destinado este ano R$ 19 milhões para programas de apoio às comunidades indígenas na área de influência das atividades da empresa no Pará e no Maranhão. "Somente para a comunidade xikrin foram destinados cerca de R$ 6 milhões". A Vale também se queixa de que os índios já chegaram a exigir um avião bimotor, carros de luxo, milhares de litros de gasolina e que a empresa pagasse despesas pessoais dos xikrins em lojas de Marabá e Parauapebas. De 1999 para cá, o dinheiro da Vale repassado para os índios não parou de crescer: era apenas R$ 1,5 milhão há seis anos, passou para R$ 10,6 milhões em 2002 e daí para os atuais R$ 19 milhões.

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De fato, o mais surpreendente não foi a manifestação indígena em si, mais uma dentre várias ocorridas desde 1998, mas a mudança de postura da Vale no tratamento da questão que se revela diametralmente oposta à que vinha mantendo até então. O comunicado da Vale, por exemplo, diz que está adotando as providências jurídicas cabíveis mas afirma que o governo e empresários não podem ficar parados assentindo à destruição da competitividade da indústria brasileira.

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Ocorre que essa mudança de postura da Vale foi antecedida por uma reação similar da Aracruz Celulose após uma inusitada invasão de índios às suas instalações fabris no Espírito Santo para exigir a ampliação da atual reserva indígena que eles possuem na região de 7 para 11 mil hectares. [1] Roger Agnelli, presidente da Vale, deixou isso muito claro ao afirmar que “Eventos como o que aconteceu na Aracruz mudam bastante a percepção de risco no País” e que “O governo e a sociedade têm de prestar atenção nisso. Empresas que têm competitividade global e dominam mercados têm de ser protegidas e preservadas, não atacadas.” [2]

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O fato é que os xikrin começaram a ser organizados pelo Instituto Socioambiental (ISA) em 1996 por intermédio de um badalado Programa de Manejo de Recursos Naturais para explorar mogno e outras madeiras em suas terras. O Programa foi parcialmente patrocinado pela Vale (cerca de 400 mil dólares de recursos do Japanese Trust Fund, captados através do Banco Mundial), mas também pelo Programa Norueguês para Povos Indígenas (Fafo, mantido pelo governo da Noruega), Ford Foundation, Rainforest International e a ICCO (Organização Intereclesiástica para a Cooperação ao Desenvolvimento), uma entidade quase-governamental da Holanda.

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Como na época a FUNAI questionou o programa, exigindo a assinatura de um convênio com o órgão condicionando o ingresso e a permanência de prepostos de ONGs entre os xikrin, em março de 1998 cerca de 180 índios xikrin bloquearam a rodovia que liga Parauapebas (PA) à área mineral de Carajás e tomaram dois funcionários da Funai como reféns. Como de praxe, os índios exigiram a presença do presidente da Funai para negociar a aprovação imediata do contrato que viabilizaria o Plano de Manejo Florestal em suas terras. Durante o bloqueio, houve conflito com seguranças da Vale do Rio Doce. A rodovia só foi liberada depois que o presidente da Funai enviou carta ao cacique Karagre, um dos líderes da comunidade, garantindo que não haveria oposição ao Plano de Manejo e manifestando-se favorável ao "Contrato de Prestação de Serviços" firmado entre a Vale e o ISA para a realização do projeto. [3]

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Em 2002, apesar de toda a ajuda financeira e de ser o único plano de manejo florestal autorizado a explorar mogno no País, o projeto fez água: “Infelizmente, o mercado - com exceção de alguns nichos no exterior - não quer saber de onde vem a madeira, e quer o preço mais baixo. Por isso, tivemos prejuízo no ano passado”, disse o coordenador do Projeto Xikrin no ISA, Rubens Mendonça. “Na primeira colheita, retiramos praticamente só mogno, pois tínhamos que mostrar a viabilidade do projeto, mas quem bancou os custos foi a Vale. Na segunda, no ano passado, estávamos conseguindo bancar, mas a queda do mercado internacional, provocada pelos atentados nos EUA, fez com que precisássemos novamente de financiamento da Vale para cobrir os custos e remunerar os índios. Afinal, como explicar para eles que saíram 150 caminhões de toras e eles ainda estavam devendo? Se para mim é difícil entender, imagine para os índios!”, disse ele ao jornal Estado de São Paulo. [3]

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Assim, não é de se estranhar que, para a antropóloga Isabelle Giannini, o problema não está no volume de recursos repassados pela Vale aos índios, mas no fato de que as partes envolvidas "abriram mão" da preocupação com a qualidade. "Há um péssimo gerenciamento da parte de todos os envolvidos, principalmente da Vale, uma vez que é ela quem está dando o dinheiro." [4] Gianinni vem a ser membro-fundadora do ISA e foi a articuladora e coordenadora de campo do fracassado Plano de Manejo para os xikrin.

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Lamentável foi a posição do atual presidente da Funai, Mércio Gomes, para quem a nota divulgada pela Vale é inadequada e desproporcional ao episódio: "Os índios não estavam com armas de fogo, e sim com suas armas tradicionais, como arco e flecha. Era uma atitude de força, mas não belicosa." Como arco e flecha são sim armas letais, é provável que a irritação de Gomes se deva à denúncia implícita na nota de que a causa indígena está sendo manipulada contra os interesses nacionais. [5]

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Partindo de empresas do porte da Vale do Rio Doce e da Aracruz, mudanças abruptas de ações reativas para pró-ativas na condução de contenciosos indígenas mas também ambientais, indicam que já existe um forte convencimento no setor produtivo nacional que, por detrás de campanhas e reivindicações socioambientais, mesmo que algumas delas legítimas mas que são usualmente exigidas por ONGs sediadas ou mantidas do exterior, se ocultam motivações de natureza comercial, econômica ou estratégica do interesse de concorrentes estrangeiros e, não raro, de países do chamado Primeiro Mundo, mormente em assuntos envolvendo a produção e a distribuição de matérias-primas e commodities.

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Assim, a postura pública de enfrentamento - e não de "acomodação" - de contenciosos na sensível área indígena por parte das empresas citadas, não apenas amplia o campo de litígio, que passa do simplesmente técnico-jurídico para o político, como também pode sinalizar uma importante "mudança de paradigma" empresarial em curso. [051106a]

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Notas:

[1]"A invasão indígena da fábrica da Aracruz", Alerta Científico e Ambiental, 19/10/05

[2]"Invasão da Aracruz por índios revela novo conflito", Estado de São Paulo, 30/10/05

[3]"Índios Xikrin conseguem aprovação para Plano de Manejo", ISA, 26/03/98

[4]"Exploração correta de madeira ainda é difícil na Amazônia", O Estado de São Paulo, 4/02/02

[5]"Índios ameaçam atividades da Vale", O Estado de São Paulo, 6/11/05


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http://www.alerta.inf.br/11_2005/051106a.htm
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