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a.h

Monday, August 11, 2008

Para que viseiras se tens um mapa?

Observemos o seguinte argumento em itálico:




Um pouco de perspectiva: A guerra maior é uma guerra por recursos energéticos e supremacia. O grupo anglo-americano buscando manter sua supremacia, como sempre, e a Rússia tentando tomá-la.

O novo teatro de guerra é este:


A área circulada com linha tracejada corresponde a regiões de produção e reservas de petróleo e gás. Inclui Irã, Geórgia, Armênia, Chechênia e, claro, a Arábia Saudita. A racionália anglo-americana é "manter o mundo livre". A racionália russa é "construir um mundo multipolar, livre da opressão americana".

A estratégia Russa é construir a Aliança Eurasiana, desde a China até a França. A estratégia americana é isolar a Rússia por meio de um cinturão de países da OTAN em torno da Rússia. A Geórgia faria parte deste cinturão e já aceitou fazer parte da OTAN. A Rússia está se antecipando à estratégia americana e está reagindo.

(Notem também, pelo mapa, a bobagem que é falar em "ameaça iraniana": O Irã está literalmente cercado por aliados americanos: Iraque, Afeganistão, Turquia, Arábia Saudita, etc. Cada aviãozinho daqueles no mapa é uma base aérea americana.)

A Geórgia não apenas faz parte do cinturão de detenção da Rússia, mas é um corredor importante para escoamento da produção de hidrocarbonetos do Azerbaijão, no Mar Cáspio. Planejava-se ali o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), operado por uma companhia britânica.

Aí entra o imprevsível: Mikhail Saakashvili, homem totalmente pró-Ocidente, mas impetuoso e intuitivo, eleito presidente da Geórgia em 2003, na chamada Revolução da Rosa. O erro de Saakashvili foi o mesmo de vários entusiastas do Ocidente. Sempre e sempre, deslumbrados, achando que os "valores" do Ocidente são idealistas, românticos, acima de qualquer cálculo político frio e também, mais importante, acima dos próprios interesses das nações ocidentais avançadas.

Saakashvili, embalado pelas promessas americanas, pela entrada na OTAN, pelas suas peregrinações a universidades americanas e européias, pelos rapapés e elogios sempre oferecidos pelo Ocidente a seus aliados entusiasmados, achou que estava surfando a onda da História: Por que não invadir a Ossétia e a Abcázia e dar ao russos a lição que eles merecem ?

Certamente, nossos irmãos americanos e a Otan virão em nosso socorro.

Como aconteceu outras vezes, não foram, não. Saakashvili está agora isolado e prestes a ser deposto pelos russos, provavelmente morto. O Ocidente não virá em seu socorro. O Ocidente não entrará em uma guerra contra a Rússia pela Geórgia. Os "valores Ocidentais" são para os românticos como Saakashvili, não para os veteranos do jogo.

Uma bela demonstração deste drama, ao vivo, pelo Youtube, tempos modernos, Saakashvili, pede em vão pela ajuda do Ocidente, em nome dos valores, da liberdade, do empreendedorismo.

E recebe apenas uma resposta fria do repórter, que foi previamente informado pelos chefes: "Mas não foi você quem começou tudo ?". Cruel...

http://br.youtube.com/watch?v=Ai2yeTB1xIQ&feature=related

E assim morrem os românticos...

...

O "romantismo" ficou por conta do comentarista acima, como se tratasse disso... Evidentemente que não é o caso, mas que essa história está mal contada e desviada de foco para, de modo nada original, culpar os americanos em uma situação que não têm qualquer participação direta.

A questão não é o interesse em si na área produtora de petróleo “pelo grupo anglo-americano”, mas como este, efetivamente, se processa. Ao que eu saiba, não há imposição do “grupo anglo-americano” à Geórgia para que sirva de canal de escoamento dos hidrocarbonetos do Cáspio.

Apenas mostrar a disposição destas forças “anglo-americanas” (como se não houvesse a disposição das forças em contrário...) serve como subsídio parcial de análise, mas não como veredicto. Ou se é um ingênuo socialista ao pensar que tais recursos não têm que ser comercializados como qualquer commodity que é ou se é um ingênuo liberal que acha que os mesmos não têm que ser protegidos por forças armadas de países que os detêm ou que querem, simplesmente, comprá-los.

Assim, a “reação russa” é de que forma? Utilizando o pretexto do embate étnico, os russos buscam assegurar seu monopólio no fornecimento de combustíveis à Europa ao pressionar pela obstrução da rota alternativa de petróleo. Isto não é uma reação, qualitativamente, equivalente, mas justamente uma inversão do jogo comercial ora em curso. Se os russos quisessem mesmo manter sua primazia de acordo com as regras comerciais deveriam baratear seu produto. Coisa que, historicamente, são completamente avessos.

Não faço coro com os que acreditam numa aliança incondicional entre Moscou e Teerã, mas se a “ameaça iraniana” não se configura como realidade é, justamente, porque o país está cercado por bases americanas. E a justificativa para tanto existe devido ao currículo histórico dos aiatolás, como quando Khomeini mandou obstruir o Estreito de Ormuz em 1979 com minas submarinas e triplicando o preço do barril de petróleo. A lógica de um país basicamente mono-exportador é esta: a simples redução da oferta. Se há aqueles que discordam, a redução da oferta também pode se dar compulsoriamente, com um "bônus" de 1.400 mortes num só dia.

Mas, se esperar que a mídia brasileira adjetive a campanha russa de "imperialista" (tal qual faz com os americanos no Iraque...) é melhor sentar.

Também dizer que o presidente da Geórgia, Saakashvili “surfou na onda da história” ao invadir a Abkházia e a Ossétia do Sul que fazem parte do território georgiano, como se isto tivesse algo a ver com "liberalismo" e, supostamente, atendesse aos interesses americanos, é contar a história pela metade. É não considerar que houve influência e apoio russa nestes territórios, bem como infiltração de massa de manobra russa com outros povos.

Acho tão legítima a discussão sobre a autodeterminação destes povos (abkhazes o ossetas) quanto o princípio de autonomia econômica georgiano sobre como e para quem escoar o petróleo do Cáspio.

Só para nos refrescar a memória, quem definiu os rumos da secessão chechena se não os russos? Alguém teve moral para divergir disto dentro do quadro das nações?

Se for lícito dizermos que toda secessão é legítima dentro do princípio de autodeterminação dos povos, alguém ainda apóia o separatismo gaúcho? No dos outros é refresco, mas no nosso é pimenta...

Dizer que são “interesses de estado” é chover no molhado. A questão é como eles são geridos. Se Putin lembrou a necessidade da China considerar a questão do Tibet eu pergunto se isto se funda em bases verdadeiras ou só pela criação de mais um estado-tampão do qual a Rússia poderia estabelecer laços e influência? Ou se acredita que só americanos agem de acordo com seus interesses?

Óbvio que surgirão, mais e mais daqueles que darão um jeito de inverter totalmente a questão encontrando alguma "culpa anglo-americana". Se fosse doença seria sintomático como transtorno mental. Como não é, se trata de simples burrice.

1 comment:

Anonymous said...

Excelente análise, a mesma se aplica perfeitamente a questão recente da Criméia, talvez valha um artigo de desdobramento.

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