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a.h

Thursday, October 02, 2008

Irã - 1



A complicada estrutura de poder iraniana*




Há uma crescente tendência entre os analistas políticos em atribuir as dificuldades diplomáticas com o Irã a grupos específicos em Teerã. Por exemplo, as expedições militares iranianas ao Iraque não traduziriam o governo iraniano como um todo, mas a ação encampada de um núcleo de força dentro do governo. Quando 15 marinheiros britânicos foram capturados em área livre entre Irã e Iraque, pelo Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês), a responsabilidade pelo ato foi sugerida mais como sendo de comandantes que atuavam independentes do que ao próprio governo. Portanto, torna-se fundamental discernir com exatidão de onde partem os ataques, sob o risco de se não o fizer, a diplomacia americana estar contribuindo para aquilo que querem seus verdadeiros adversários: insuflar a oposição internacional ao governo americano definindo-o como intransigente e refratário ao diálogo. Infelizmente, isto parece não estar sendo feito atualmente pelo corpo diplomático americano, que tem tratado reformistas islâmicos e parias revolucionários como se fossem de um mesmo grupo.

Desde a morte de Ruhollah Khomeini em 1989, o aiatolá que liderou a Revolução Islâmica em 1979, os chefes de estado e oficiais ocidentais frequentemente procuraram assediar o presidente da república iraniana. Da mesma forma, a explicação para alguma ação mais agressiva por parte do estado, geralmente, era atribuída a ele. Isto é perturbador quando se pensa na defesa das reformas de mercado por Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ou a chamada de Mohammad Khatami para um “diálogo das civilizações,” ou a negação do holocausto de Mahmoud Ahmadinejad. Colocar todos “no mesmo saco” é um rotundo equívoco. Por outro lado, se os presidentes iranianos têm percepções e métodos distintos sobre a sociedade global, eles ainda permanecem submissos ao Conselho dos Guardiões e o Conselho de Discernimento de Expediente. São fundações com gênese revolucionária que juntas podem controlar mais da metade do estado iraniano escapando ao poder executivo. E sua magistratura também é um poder de grande influência para além do sistema jurídico.

Sobre todos estes núcleos, o “líder supremo” (rahbar) detém o controle final. Khomeini era o perfeito líder supremo que, após sua morte foi substituído pelo aiatolá Ali Khamenei. O artigo 107 da república islâmica de 1979 o diz: “Deve exercer a administração e todas as responsabilidades que decorrem dela”. O artigo 110 define tal líder como “comandante supremo das forças armadas”, com poder ainda para empossar e depor o chefe do estado maior e comandante-em-chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica.

Além disto, o líder supremo forma o Conselho de Defesa Nacional apontando os comandantes supremos do exército, da marinha, e da força aérea. Igualmente indica quem serão os cabeças da magistratura, o presidente da rádio e da televisão estatais, o editor do diário de Kayhan, executivos para vigiar editores dos jornais independentes do país e da oração de sexta-feira na qual atuam os representantes provinciais ou municipais. Extra-oficialmente, os inúmeros grupos de vigilantes igualmente permitem ao líder supremo e seus seguidores reforçar os parâmetros constitucionais de disciplina doméstica.

No dia a dia, o líder supremo exerce o controle através de um sistema de representantes. Pouco se sabe sobre seu modus operandi, mas existem, provavelmente, pelo menos 2.000 comissários que permeiam cada ramo de poder burocrático iraniano, algumas embaixadas iranianas e centros culturais fora das fronteiras da república islâmica. A rede de Ali Khamenei supremo da aiatolá permite que se controle a estrutura e a trajetória da política do estado sem dominar por completo cada “alavanca do poder”. Antes que qualquer problema político surja, a rede de Khamenei já o adverte muito antes que a notícia alcance a hierarquia formal do poder. Khamenei pode, contudo, manter o controle através de diversas proibições.

Se a vontade de Khamenei é suprema, o IRGC é seu protetor pretoriano. Emerge como contraponto privilegiado ao exército iraniano. Diferentemente do Paquistão ou Turquia, estados islâmicos onde as forças armadas detêm significativa presença política, o Irã disciplina estas em contato com seu clero. Herança da desconfiança de Khomeini... No século XX, o exército iraniano foi subordinado à figura do xá atuando na defesa do estado. Especialmente, após o golpe contra Mohammad Musaddiq, o xá se tornou bastante dependente das forças armadas para manter a disciplina e ordem social. Como todo “bom estado terceiro-mundista”, a época da monarquia, colocar membros do clã em postos chaves patrocinou a compra de lealdade de altos oficiais. No entanto, os níveis inferiores da hierarquia não sentiram a mesma disposição, o que contribuiu para engrossar as fileiras de ressentidos da Revolução Islâmica. Khomeini compreendeu com exatidão que muitos oficiais aderiram à revolução num instinto de auto-preservação. Posteriormente, o aiatolá removeu o alto oficialato que era leal ao monarca protegendo os revolucionários como guardiões da nova teocracia, como um contrapeso ao exército.

O IRGC aderiu aos pressupostos e objetivos da Revolução Islâmica no controle do regime que se impôs. Mohsen Rezai foi alçado ministro e continuou seu comando após Khomeini formar o IRGC como uma entidade completamente separada. Durante toda sua existência, o IRGC teve uma notável e estável liderança. Rezai ajudou a estabilizar o país após a morte de Khomeini e assegurou uma tranqüila transição ao comando de Khamenei. Somente em 9 de setembro de 1997, o líder supremo tirou Rezai do comando e, mesmo assim, de maneira a fornecer a estabilidade institucional. O deputado de Rezai, Yahya Rahim Safavi o substitui como novo comandante-chefe do IRGC. Safavi, por sua vez, comandou o IRGC por cerca de uma década até 1º de setembro de 2007, quando Khamenei o substituiu por Mohammad Ali Ja'fari, o antigo Diretor de Estudos Estratégicos do IRGC. E não o fez como sinal de desonra para transição da liderança do chefe aposentado... Hoje, Rezai é secretário do Conselho de Discernimento de Expediente, enquanto Safavi serve nas forças armadas e, como Conselheiro de Segurança no escritório do líder supremo.

As estruturas do poder no Irã são paralelas à república e, frequentemente, deixam confusos os analistas ocidentais.

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* Tradução parcial e adaptada de Iran's Revolutionary Guards - A Rogue Outfit? by Michael Rubin. Middle East Quarterly. Fall 2008, pp. 37-48.

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