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O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Monday, June 21, 2010

Кыргызстан Connection


No Manhattan Co. deste domingo, os apresentadores falaram da crise do Quirguistão. Olha... Eu gosto do programa, acho um dos melhores da TV brasileira não só pelas opiniões, com as quais tenho simpatia, mas, sobretudo, pela forma despojada, antiacadêmica com a qual é apresentada (em que pese um certo afetamento de Caio Blinder...), mas neste tópico eles comeram bola: Lucas Mendes e Blinder se postaram a discutir se dava ou não dava para se distinguir etnias naquela porção da Ásia Central. O primeiro sustentando que não, que eram todos iguais e o segundo, acertado, dizendo que sim, mas que a região não se balcanizara como era esperado com o fim da URSS. Tudo isto porque se discutia se a questão era um “mero” conflito étnico ou não. Em primeiro lugar vamos por os pingos nos “ii”, apesar de existem grupos que se identificam sob os mais variados aspectos sociais, etnia é um conceito vago, impreciso para a ciência política:


Ethnicity refers to a sometimes rather complex combination of racial, cultural and historical characteristics by which societies are occasionally divided into separate, and probably hostile, political families. At its simplest the idea is exemplified by racial groupings where skin colour alone is the separating characteristic. At its more refined one may be dealing with the sort of ‘ethnic politics’ as where, for example, Welsh or Scottish nationalists feel ethnically separated from the ‘English’ rulers, as they may see it, of their lands. Almost anything can be used to set up ‘ethnic’ divisions, though, after skin colour, the two most common, by far, are religion and language.
ROBERTSON, David. Dictionary of Politics. 2º edition. Penguin, p.169.

Se algo serve para definir tudo ou quase tudo, no limite, não define nada. Então, não haveriam conflitos étnicos na região? Sim, mas isto não explica a proporção ou evento ocorridos... O fato é que se Blinder disse que existem, mas depois fez referência, sem estabelecer nenhuma relação direta ou vagamente indireta entre isto e o que chamou de “Great Game” das nações imperialistas com o jogo colonial, no caso, pós-colonial, não serviu de explicação plausível. Mais concreto e pertinente, como de praxe, foi Diogo Mainardi quem citou um governo filo-russo deposto e agora outro, filo-americano igualmente deposto que seria alvo da oposição. E no meio disso tudo, o que não se comentou, o uso dessa oposição apoiada por Moscou para se afirmar na região. Não é que se trate de uma clássica (e clichê) manipulação externa, mas que os conflitos internos (que não precisam ter significativas diferenças físicas para se estabelecer) ocorrem entre diferentes grupos, por mais tênues que sejam suas lógicas de identificação internas e que podem ser amplificadas com ingerência e alianças externas. As diferenças entre grupos não são causas, mas meios nos quais interesses e situações de conflito por determinadas razões se expressam.

Tomando uma situação de repartição de lucros de um produto como analogia simplista, poderíamos dizer que os royalties da extração de petróleo no Brasil a partir do chamado “Pré-Sal” seriam causas mais factíveis do que a questão federalista, mas neste caso em especial, elas se expressariam como um conflito na federação. Esta discussão que parece um tanto sem sentido, como a que se o que veio primeiro foi o ovo ou a galinha. Mas passa a ganhar sentido quando se pergunta pelo que os estados brasileiros estão em disputa? Analogamente, pelo que quirguizes e uzbeques estão em disputa? Por serem quirguizes e uzbeques não me parece suficiente.

O Uzbequistão é a nação forte da área, que os quirguizes vêem com desconfiança como invasores ou quem tem benefícios indevidos em seu território. Ocorre que tais mudanças migratórias foram incentivadas na época de Stálin e até hoje persistem suas seqüelas. A disputa direta entre Rússia e EUA, por sua vez, é pelo monopólio de instalação de bases no território da Ásia Central. Para os americanos, uma localização estratégica para atuar contra o Talebã no Afeganistão, contra simpatizantes desta no Paquistão ou contra o Irã e seu regime. Para os russos, a hegemonia sobre a área é necessária para formação de uma série de estados-tampão contra o avanço demográfico de possíveis sociedades seduzidas pelo fundamentalismo islâmico, que pressionariam ainda mais suas fronteiras. E a China, citada nesta história entrou de gaiato, uma vez que seu interesse e atuação se concretizam na construção conjunta com o Cazaquistão de dutos para exportação de hidrocarbonetos na sua fronteira ocidental, o que Moscou vê com desconfiança, embora o gigante da Ásia Central seja seu aliado regional mais próximo com forte presença russa.

Não há vítimas inocentes em se tratando de governos, apenas interesses buscando a otimização de seus benefícios. Isto é um clichê, mas nem por isto menos verdadeiro.
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