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a.h

Tuesday, January 16, 2007

De BRIC para brick

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No ano passado, a ONU projetou crescimento global de 3,6%. Só o leste asiático era estimado em mais de 7% e, mesmo para uma burocratizada Comunidade dos Estados Independentes (CEI), se esperava mais de 6%. A Europa, ainda carregando o peso de seus welfare states, beirava os 3%. É mais difícil para “economias maiores” darem mostras de flexibilidade superiores que a de países emergentes, o que explica, em parte, a pequena taxa européia.

Tais projeções parecem corroborar o “fim da História” de Fukuyama. O capitalismo veio para ficar, apesar de capengar conforme a região. Então, para que tanta celeuma sobre “um outro mundo possível” do Fórum Social Mundial?

Não adianta, sempre teremos descontentes com a globalização ou o velho e bom capitalismo. Quem pensa que tais questões são exclusivas da “esquerda” se engana. Há quem ache que o comunismo ainda não morreu e que a ONU faz parte de uma conspiração mundial para alicerçá-lo em novas bases. Claro que se pode discutir que o capitalismo global não é liberal o suficiente e que os conluios entre transnacionais e estados nacionais implicam em uma nova forma de despotismo econômico. Despotismo enfim. Ou tudo isto é um jogo em que nos enganam ou as visões conspiratórias não se sustentam.[1]

Se for verdade que 70% dos produtos vendidos no Wal-Mart são de procedência chinesa, o capitalismo vige e vinga ou é usado pelas velhas ditaduras comunistas que se reciclam? Não creio em permanência na História. Não tenho conhecimento de nenhuma classe econômica que ampliasse seu poder sem almejar (e conquistar) o poder político igualmente. Assim, em Pequim aguardo por transformações democráticas. Posso ser ingênuo ou incuravelmente otimista, mas o estado chinês irá mudar.

Mais que oposições diplomáticas entre China e EUA, os dois países aprofundam uma salutar dependência. A reciprocidade no comércio externo e nos influxos de capital é benfazeja, pois quando crescem, diminui o potencial de conflito.

A sinergia econômica parece que vai ser acompanhada pela política. Com a mudança do secretário de Defesa dos EUA que trocou Donald Rumsfeld (2001-2006) para Robert Gates, finda o breve período neocon[2], cuja pedra de toque idealista era o “ataque preventivo”. O realismo político que deverá ser a tônica com esta nova administração não é nada novo. Permeou a maior parte da política externa norte-americana e, apesar de seus inúmeros erros, como apoiar ditaduras latino-americanas, trouxe mais benefícios do que as desbaratadas ações preventivas que, na retórica pretendiam disseminar o vírus da democracia em regiões tribais do globo. Os neoconservadores ingenuamente acreditam que ações externas intervencionistas, dirigidas a mudanças de regimes, criariam um mundo melhor e mais pacífico.[3]

Política para quem domina não se move por ideologia, mas justamente por necessidade e senso de oportunismo mesmo. México, Índia, Brasil e União Européia não são ambíguos quando se aproximam dos EUA. Só executam os mesmos princípios que tonalizam a própria política deste país no seu comércio externo. Dizer que a opinião dominante na mídia e instituições culturais é maciçamente antiamericana não reflete o que os governos em suas “razões de estado” definitivamente fazem.

E é a própria burocracia chinesa que está influindo em sua economia ao definir 39 princípios básicos que diminuem o peso do estado e a encaminham em direção do setor privado, objetivando utilizar os preços de mercado tanto quanto possível. Teoricamente, as bases para a democratização da sociedade no futuro estão sendo sedimentadas. Recente estudo da consultoria McKinsey evidencia a redução da pobreza chinesa de 77,3%, em 2005, para 9,7% em 2025, a continuar o atual ritmo de crescimento.[4]

A China de hoje, não é mais apenas um “mercado”. É um mundo a parte que toma as rédeas de seu próprio destino. Acabou de ultrapassar o próprio Japão, em gastos em pesquisas científicas e tecnológicas. Sim, estou me referindo aquele Japão, campeão em inovações tecnológicas. Os gastos chineses foram de USD 136 bilhões no ano passado, seis a mais que seu vizinho insular.

Quando pensamos em reformas no Brasil (que não saem) não deixa de ser triste a conclusão de que um forte desincentivo parte, justamente, do aumento dos preços das commodities no mercado internacional devido ao aumento do consumo chinês e indiano. Diferente do gigante asiático, nosso gigante (“de pés de barro”, nunca é demais lembrar...) surfa em uma inativa postura diante das ondas globais definidas por outros países. Isto somado a derrubada de barreiras comerciais aos produtos brasileiros nos EUA que por mais de uma década vigoraram, aponta para uma lei física de nossa economia: a inércia, pois o que China ou EUA vierem a executar, nos bastará.

Falar em globalização nestes “bobos trópicos” parece significar apenas redução de tarifas alfandegárias que, por si só, acaba aí sem atenção maior ao próprio mercado interno. Apesar da ditadura comunista na China, este país atingiu uma eficácia em seu desempenho econômico muito maior do que o Brasil com sua democracia. A redução das exportações de calçados em 11% em 2005, afetando duramente a Serra Gaúcha, tradicional região produtora, enquanto que o maior produtor mundial hoje em dia, é um gaúcho que atua na China revelam como um ambiente propício influi no desempenho individual. Estamos repletos de batalhadores por aqui, cuja melhor alternativa tem sido o aeroporto.

Obviamente que não vou afirmar que a “democracia econômica é muito mais importante que a democracia política”, mas que uma sem a outra não há sustentabilidade no próprio sistema. Por outro lado, no Brasil vige um pseudo-capitalismo, um “capitalismo de compadrio” em que contribuintes são explorados pelo estamento burocrático. A congênita inércia latino-americana tem a honrosa exceção do Chile que cresceu 4,3% entre 2001 e 2005. Mas, o próprio México, beneficiado pelo NAFTA não faz suas reformas internas e deixa de ser um atrativo para inversões externas. Não é a toa que nosso “grande mercado potencial” (e que sempre é potencial) esteja sob risco de perder posicionamento entre os BRICs – sigla formada pelas iniciais de economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia e China: nosso governo cuja “esperança venceu o medo” teve otimismo desproporcionalmente maior do que a competência, como é sabido.

Dizem que nossa sociedade brasileira é “conservadora” ao ser contra o desarmamentismo, contra o casamento gay, contra o aborto, contra as quotas raciais etc. Só esquecem de observar que este mesmo “conservadorismo” também é conservador para a estagnação econômica que vivenciamos, deixando tudo como está ao fornecer salvo conduto para um governo que não prima por reformas e uma estrutura de estado parasitária. Em suma, uma flexibilidade de tijolo.



[1] Segundo a Heritage Foundation, a Estônia, país ex-comunista é hoje o 12º em termos de liberdade econômica; a Lituânia, o 22º e por aí vai...

[2] Rumsfeld e o vice-presidente Richard Cheney não se enquadram bem no rótulo “neo-conservador”. O título é mais adequado para aqueles, como Paul Wolfowitz que consideram os Estados Unidos da América como mais que uma nação, mas uma causa.

[3] Uma das figurinhas mais rasas do novo conservadorismo americano é Ann Coulter, responsável por pérolas do seguinte quilate: “Nós devemos invadir seus países, matar seus líderes e convertê-los ao Cristianismo” (13 de setembro de 2001, itálicos meus e estupidez dela).

[4] Newsletter diária n.º 853 - 08/12/2006 - http://www.amanha.com.br/. Enquanto isto, a projeção é que o Brasil tenha 55 milhões vivendo em favelas em 2020, algo próximo a 25% da população nacional.

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