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Violência étnica e crise econômica na Europa
por Jeffrey Nyquist em 22 de novembro de 2005
Resumo: O Ocidente brinca com a idéia que chegamos no "fim da história", mas o não-europeu sente o contínuo vigor da história. O europeu "iluminado" fantasia com uma irmandade entre os homens, mas tribos, nações e seitas religiosas do planeta jamais cooperarão com essa "irmandade".
© 2005 MidiaSemMascara.org
Jovens muçulmanos começaram um motim na França em 27 de outubro. No dia 5 de novembro, cerca de 1.000 automóveis foram destruídos, muitos prédios foram queimados e cidadãos foram mortos. Mais de 9.000 policiais foram mobilizados para restaurar a ordem, realizando a prisão de milhares de pessoas. No dia 8 de novembro, mais de 1.400 carros foram destruídos em uma única noite. A violência espalhou-se de Paris para outras 300 comunidades francesas, e depois para a Bélgica, onde jovens muçulmanos atearam fogo em cinco carros nas proximidades da estação ferroviária central de Bruxelas. Após aproximadamente duas semanas de motins étnicos, o presidente francês Jacques Chirac declarou estado de emergência e o governo francês tomou a controversa decisão de deportar os rebeldes estrangeiros. O primeiro-ministro Dominique de Villepin prometeu aliviar os sofrimentos do povo enquanto o presidente Chirac admitia que a situação dos muçulmanos não era nem feliz nem aceitável, e que medidas seriam tomadas para melhorar as condições gerais.
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Os motins começaram em Clichy-sous-Bois, um subúrbio de Paris, quando dois adolescentes muçulmanos tentaram fugir da polícia entrando numa subestação de energia, quando foram eletrocutados. Os garotos eram de origem tunisiana e mauritaniana. O ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, foi culpado pelas mortes por causa de sua promessa de travar uma "guerra sem piedade" contra a "ralé" dos bairros muçulmanos. Como resultado de tudo isso, o governo francês está constrangido com as conseqüências. É claro, o constrangimento é ainda maior pelo fato de os intelectuais e políticos franceses afirmarem que o racismo que supostamente existe nos Estados Unidos é a causa imediata dos motins em bairros não-brancos. A França se imaginava isenta de tais distúrbios.
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O primeiro-ministro Villepin é famoso por suas declarações de que a força da Europa encontra-se em sua "diversidade" e na "coesão cada vez maior entre os povos línguas e culturas". De acordo com Villepin, "Enquanto o mundo hesita entre uma aspiração para o universal e uma chamada para as identidades específicas, o empreendimento europeu mostra sua capacidade de forçar o destino". Mas, notou Villepin, "os faróis fornecem luz para que outros navios tenham um curso seguro". Não para si mesmos.
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É fácil apontar o erro dos outros, mas é difícil evitar os próprios. O conflito étnico entre cristãos e muçulmanos é incurável, a exemplo dos séculos de lutas nos Bálcãs (isto é, Bósnia, Kosovo etc).* Muçulmanos africanos e asiáticos lutaram contra europeus por anos a fio. A violência não vai terminar de um dia para outro. Enquanto a Europa buscar a unidade na diversidade, a contradição não vai cessar. O círculo quadrado é uma utopia eterna, e "forçar o destino" não passa de uma expressão de teimosia. Os motins na França, e a reação do governo francês, enfatizam o declínio econômico e político da França. Prometer o paraíso para imigrantes pobres só vai conseguir exacerbar a luta no longo prazo na medida em que a França mistura seus pecados com promessas que não pode cumprir. Corrigir desigualdades econômicas entre imigrantes africanos e franceses nativos exigirá uma ilimitada transferência de riqueza de um grupo para outro em meio a uma economia que sofre com altos impostos, alta taxa de desemprego e produtividade comprometida.
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O legado do racismo europeu é bem documentado. O que acontece hoje é uma política de culpa, aparente em muitas nações onde europeus étnicos dominam. À luz dos resultados políticos reais, a política de culpa é uma vã tentativa de jogar migalhas para povos não-europeus oprimidos. Não há quantidade de transferência de riqueza que consiga corrigir esses problemas ocultos. O racismo europeu ainda existe, mesmo entre os que não sentem orgulho racial ou inimizade racial. A desigualdade econômica entre europeus e não-europeus não vai desaparecer exceto por meio de uma redução dos padrões de vida da Europa. E essa redução não vai trazer nada de positivo para o mundo muçulmano. Vai somente interromper a fonte da inveja, mas nunca curar os sentimentos raciais (reconhecidos ou não reconhecidos) que existem sob a superfície dos dois lados. Povos humanos e esclarecidos existem em todo o mundo, mas são sempre minoria. O instinto tribal no homem é real, e ler Michelet não vai superar a maré alta de sentimentos étnicos de ambos os lados.
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Os muçulmanos não-europeus não vão imigrar para a Europa e se transformar em cristãos europeus (ou em intelectuais seculares franceses). Como os europeus, os muçulmanos são filhos da história. Além disso, são filhos do profeta Maomé. Os europeus são filhos dos impérios colonialistas de cem anos atrás. A raça humana é dividida em famílias, tribos e nações. A relação entre tribos e nações sempre foi mediada por lutas intermináveis. Villepin acha que pode contornar a história, traçando um novo caminho da "unidade pela diversidade". Que Deus abençoe seus esforços, mas a história ensina que seu objetivo está fora do alcance dos homens mortais. Em vez de admitir a natureza utópica de seu projeto, as classes políticas e econômicas da França estão determinadas a redobrar sua campanha utópica e reafirmar uma série de ideais ilusórios.
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Por enquanto, a Europa perdeu a vontade de organizar cruzadas contra o Islã. Mas a Europa continua firme no esforço fútil de homogeneizar e europeizar os povos não-europeus do mundo. É uma tentativa inconsciente de colonizar o planeta, intelectual e espiritualmente. É por meio do racionalismo intelectual que o homem europeu vê a si mesmo como "cidadão do mundo". Mas tal cidadania não existe – ou é insignificante. Em vez de realmente reconhecer a diversidade, essa postura sutilmente nivela todas as distinções religiosas e étnicas ao pronunciar sua superficialidade. Quando finalmente será admitido que tais distinções não são superficiais?
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O Ocidente secular acredita no que os chineses acreditavam antes de sua civilização ruir, há 160 anos. O Ocidente vê a si mesmo como a civilização central da história. O Ocidente aceita como fato consumado que seus preceitos e padrões intelectuais são permanentes e universais, ao invés de transitórios e peculiares. A arrogância ocidental contém, agora, uma suposta tolerância para com o "outro". Mas o "outro" dirá que se trata de forma sem substância. Seu vácuo é encontrado em promessas vazias de igualdade e desenvolvimento, em prescrições socialistas e em auto-congratulações prematuras. O não-europeu sente e sabe que a ideologia européia é falsa porque o não-europeu está mais próximo da natureza humana e das realidades trágicas da história. Ele vê que a ideologia européia minou os instintos da Europa, mas apenas superficialmente.
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O Ocidente brinca com a idéia que chegamos no "fim da história", mas o não-europeu sente o contínuo vigor da história. O europeu "iluminado" fantasia com uma irmandade entre os homens. As tribos, nações e seitas religiosas do planeta jamais cooperarão com essa "irmandade". Em última análise, cada tribo – incluindo a européia – quer uma irmandade em seus próprios termos. O secularista quer um mundo secular, tolerante. O crente quer um mundo religiosa e teologicamente correto. O europeu quer um mundo europeizado. Todas essas demandas, sonhos e esquemas não podem se harmonizar. Eis a verdade contra a qual os políticos europeus lutam. É uma verdade que a Europa não reconhecerá, mesmo que a história da Europa tenha ensinado isso tantas e tantas vezes.
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A promessa de igualdade universal dada pelo presidente Chirac não pode e não será cumprida. O programa do primeiro-ministro Villepin vai resultar no oposto do que Chirac prometeu, não porque Villepin ou Chirac sejam racistas, mas porque a natureza, para ser comandada, tem de ser obedecida. E isso vale para a natureza humana também. O governo francês agora faz amor com um erro perigoso. Chirac e Villepin não têm outra escolha porque continuam acreditando na irmandade entre os homens.
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© 2005 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM.
Jeffrey Nyquist é formado em sociologia política na Universidade da Califórnia e é expert em geopolítica. Escreve artigos semanais para o Financial Sense (http://www.financialsense.com/), é autor de The Origins of The Fourth World War e mantém um website: http://www.jrnyquist.com/
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* Ao contrário de Nyquist, acredito na solução dos conflitos, mas a longuíssimo prazo, quando estado estiver, definitivamente, separado de religião. E, todos os cultos estiverem sob controle, ou seja, limitados à espiritualidade coletiva ou individual.
a.h
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