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a.h

Tuesday, January 30, 2007

Uma deturpação conveniente

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O filme que tem o ex-vice presidente americano Al Gore como protagonista, resvala para o sensacionalismo ao incorrer em erros científicos. Típicos exageros com fins alarmistas para seus objetivos políticos. Em que pese o valor de chamar a atenção para uma problemática séria, este não é o caminho.

a.h





Meteorologista brasileiro analisa com exclusividade documentário norte-americano sobre aquecimento global




Pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), o engenheiro eletrônico pelo ITA com doutorado em Meteorologia pelo Massachussets Institute of Technology (MIT) Carlos Nobre analisa, em entrevista exclusiva ao Instituto Ethos, o filme "Uma Verdade Inconveniente", de Davis Guggenheim, em cartaz no Brasil desde novembro passado.
Para o pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Meteorologia do Inpe e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o documentário é de extrema importância, muito positivo, mas traz algumas imprecisões científicas e de ordem filosófica, além de uma contradição em relação à prática 'carbon neutron' de seu protagonista, o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore.

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Instituto Ethos: Quais as incongruências do filme "Uma Verdade Inconveniente"?

Carlos Nobre: Al Gore, como excelente político profissional que é, tem um discurso convincente e sedutor, mas, inova e se expõe ao se aventurar bem longe das meias-verdades, lugares-comuns e obviedades do típico discurso político ocidental. Conta uma história emocionante, repleta de dados científicos transmitidos com grande dose de didatismo, camaradagem e bom humor. Não perde, entretanto, a linha condutora mestra de chamar a atenção prioritariamente para a questão central: estamos tratando de um assunto onde devem prevalecer a ética e a moral para mudarmos coletivamente de atitude com respeito ao ambiente global. A mensagem foi feita com ajuste fino para a classe média norte-americana, para a qual o nível de consciência da gravidade do problema do aquecimento global é incrivelmente menor do que para todo o resto do mundo. Gerações e gerações de norte-americanos se acostumaram a viver com tamanho conforto material, aliado ao desperdício e à falta de privações, que lhes parece "natural" que os recursos da Terra sejam praticamente inexauríveis.

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Instituto Ethos: O desfecho documentário lhe causou que impressão?

Carlos Nobre: No fechamento do filme, Al Gore, com timbre de voz sério e levemente emocionado, nos convida a ter a vontade política para mudar o mundo para melhor, até mesmo através de atividades individuais e, nos agradecimentos/créditos, surgem várias sugestões práticas de como proceder como indivíduos a diminuir nosso 'ecological footprint' (pegada ecológica)[*] no planeta. Talvez, neste ponto, resida a única grande falha deste belo filme, que mostra Al Gore andando de carros (a gasolina, suponho) e aviões a jato. Portanto, a pegada ecológica de Al Gore é bem maior do que o cidadão norte-americano médio. Faltou que ele se declarasse neutro em emissões de gases de efeito estufa.

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Instituto Ethos: De que forma o cidadão pode contribuir para diminuir sua pegada ecológica? E as empresas, que contribuição poderiam dar no sentido da diminuição da emissão de poluentes?

Carlos Nobre: Hoje, há inúmeras atividades nas quais qualquer um pode se engajar para adquirir créditos de carbono de modo a reduzir ou anular nossa pegada ecológica de emissões. Quanto às empresas, me lembro inclusive de um debate pós-exibição desse filme, promovido em novembro último pelo Instituto Ethos, em São Paulo, em que um engenheiro perguntou sobre a saída proposta pela geoengenharia. Pra mim, a única solução seria colocar uma parte do gás carbônico que, por exemplo, as termelétricas emitem em poços exauridos de petróleo por 100, 200 anos. Já existem experiências empresariais bem-sucedidas nesse sentido no mundo, que aumentam o custo da energia, mas são ambientalmente paliativas, assim como os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs).

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Instituto Ethos: Como o ex-vice-presidente norte-americano poderia dar o exemplo nesse sentido?

Carlos Nobre: Não faltariam recursos pessoais para ele ser 'carbon neutral' e, em sendo, daria um exemplo pessoal que seria convergente com seu persuasivo discurso.

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Instituto Ethos: Como o senhor avalia o filme do ponto de vista científico?

Carlos Nobre: Sob a ótica do rigor científico da narrativa, o filme passa no teste, não sem alguns arranhões. Cito alguns destes arranhões, que não lhe tiram o mérito educacional e nem chegam a comprometer a mensagem central. São eles:

1) A maioria dos ecólogos não concordaria que a atmosfera é o mais vulnerável dos sistemas ecológicos do planeta. Muitos subsistemas estão sob pressão e dão sinais de estarem à beira do colapso (e.g., estoques pesqueiros) ou já colapsaram. A mudança na composição da atmosfera pode e terá conseqüências globais, mas isto é algo diferente de defini-la como a mais vulnerável;

2) A descrição da física do efeito estufa é simplificada, como deveria ser, mas usar a linguagem de que as emissões dos gases de efeito estufa pelas atividades humanas "engrossam" ('thicken') a rala ('thin') atmosfera induz a pensar que a atmosfera está ficando mais espessa, o que não é o caso. Mais gases de efeito estufa significam que há mais elementos (moléculas) que dificultam o esfriamento radiativo (perda de radiação infravermelha ou termal para o espaço), aquecendo, portanto, a superfície ainda mais;

3) É exagerado o número de que 40% da população do planeta depende em 50% ou mais para seu abastecimento de água de degelo de geleiras;

4) A refletividade das áreas cobertas com gelo não é de 80%, mas algo entre 50% e 60%;

5) Se a parte mais instável das geleiras da Antártica Ocidental desaparecer, o nível do mar subiria 1 metro e não cerca de 6,5 metros, como mencionado no filme;

6) Não há indicação que se trata de degelo de verão, e não do ano todo, nas figuras que mostram o degelo na Groenlândia desde 1992;

7) A estimativa das emissões globais de CO2 provenientes dos desmatamentos tem um alto grau de incerteza ainda hoje e os números mais atuais a situam entre 12% e 24% das emissões globais, mas não tão alto quanto 30%, como diz o filme;

8) Em muitas passagens do documentário, mencionam-se vários extremos e direta ou indiretamente se está atribuindo todos eles ao aquecimento global. Por exemplo, número de furacões e tufões em 2004. Os estudos atuais mostram que, em um planeta mais quente, não haverá maior número destes fenômenos extremos, mas, sim, maior freqüência dos furacões/tufões de maior intensidade;

9) Menciona-se vagamente a emergência e re-emergência de doenças, mas fica no ar se elas estariam ou não relacionadas ao aquecimento global. De fato, emergência e re-emergência de doenças estão mais relacionadas a mudanças dos usos da terra e práticas agrícolas.

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Instituto Ethos: O senhor reconhece que, até pelo seu ineditismo, o documentário traz uma mensagem importante? Como o senhor resumiria o valor desse filme?

Carlos Nobre: Sem dúvida. O resumo da ópera pra mim é que este é um filme com uma mensagem simples, mas extremamente poderosa e que tem contribuído, em alguma medida, para que 2006 se tornasse o ano no qual a consciência sobre o que representa o aquecimento global atingisse seu ponto mais alto e que deverá desembocar em ações efetivas para a mitigação das emissões de gases, causadoras do aumento do efeito estufa.

Data: 29/01/2007
Fonte: Andrea de Lima/Instituto Ethos -
http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3345&Lang=pt-B&Alias=ethos&itemNotID=8149

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[*] "Já ouviu falar em pegada ecológica? Segundo o site Earth Day Network, a pegada ecológica é a soma das várias parcelas de terreno produtivo (terra e mar) necessárias para produzir os recursos utilizados e assimilar os resíduos produzidos por cada pessoa, servindo como indicador de sustentabilidade ambiental. Ou seja: quanta área produtiva é necessária para satisfazer minhas necessidades e absorver os resíduos que produzo?Pois este novo conceito está dando o que falar! No site do Earth Day tem um teste que calcula a pegada ecológica de cada pessoa. Vale a pena fazer, é rapidinho." (http://ambientalurbano.blogspot.com/2006/11/p-grande.html)
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