Em um interessante artigo, “Dez Mitos sobre a Defesa Nacional no Brasil”, o diplomata João Paulo Soares Alsina Jr. trata dos argumentos contrários a um legítimo plano de defesa nacional. O autor dividiu-os em 10. Tentei resumi-los e, claro, adicionar minha própria visão em trechos comentados, no que exime qualquer um, especialmente o autor do artigo, por eventuais erros ou opiniões de minha parte:
1) Nosso país não precisaria de forças armadas. Na verdade isto parte tanto de setores mais à esquerda, com heranças pacifistas que não viram suas utopias se concretizarem em décadas passadas, como de setores ultra-liberais que acreditam que a força dos mercados é a única capaz de sedimentar instituições duradouras. Não há muito que comentar neste quesito. Basta ver os acontecimentos mundiais que sucederam a Guerra Fria para se ter uma vaga noção da importância da defesa nacional e de que a paz tem que ser, constantemente, vigiada. A cidade com seu mercado, desde fins da Idade Média precisou dos muros e forças de prontidão para garantir a defesa de seus negócios, inclusive da possibilidade do livre-comércio, frágil e dependente dos que se arriscam pela paz civil.
2) Quando se diz que os recursos aplicados na reestruturação ou manutenção das forças armadas seriam “melhor empregados” em atividades ou fins sociais parte-se do pressuposto que a defesa nacional não contempla um objetivo ou bem social.
(i) Isto se relaciona a posição ‘apaziguadora’ do Itamaraty, especialmente, no século XX que vê na hegemonia brasileira na América Latina, um fator de desequilíbrio frente seus vizinhos mais pobres e instáveis. É como se declarasse um mea culpa por estes serem, nitidamente, mais fracos;
(ii) Também ocorrem sinais contraditórios dos próprios militares que temerosos da expansão do establishment militar teriam que se adaptar institucionalmente revendo sua política de cargos, salários e pensões.
(iii) Modificações organizacionais também desestruturam ou ameaçam a estabilidade do modelo vigente, como ocorre com a criação de um Ministério da Defesa, por exemplo.
(iv) Demandas civis contra os militares, como a necessidade de desenvolvimento científico-tecnológico ou uma reestruturação interna também não são bem vistas, justamente, por partirem de civis.
3) O incremento do poder militar brasileiro forçaria uma corrida armamentista desestabilizando a América Latina. Este mito é particularmente falacioso, pois parte da premissa de que existe, realmente, um equilíbrio do poder latino-americano quando, na verdade, a posição (hegemônica) brasileira subsiste devido a fraqueza de seus vizinhos. Desconsidera ainda, de modo ‘autista’, que não cabe o incremento da defesa nacional quando se trata de novos (ou já descobertos e explorados) recursos, como o caso do petróleo em nosso mar territorial. Também podemos considerar como necessária a defesa hemisférica que tem sido ausente por parte do Brasil, ou deficiente como no caso amazônico, entre outros.
4) As forças armadas brasileiras já têm investimento suficiente. A premissa que embasa este mito se baseia nos problemas internos como mais urgentes. Se observarmos os países que mais investem em suas forças veremos que também têm graves problemas internos, mas nem por isto se eximem de sua tarefa básica na defesa externa. Este derrotismo advém da mais ingênua percepção de como a política externa é traçada. Na verdade coloca os brasileiros na posição de “idiotas úteis” quando se trata de marcar posição em prol de seus interesses.
5) As forças armadas devem se dedicar a papéis de ordem cívico-social e assegurar o alistamento militar obrigatório. O problema com este mito é que ele desdenha da legalidade: a de que a função das forças armadas, garantida pela Constituição é a de assegurar a defesa externa brasileira e sua integridade territorial. Insistir que Exército, Marinha e Aeronáutica devem ter objetivos filantrópicos implica em admitir que a Lei está errada, que não passa de um papel rasurado sem valor e que não serve como estrutura edificadora para o país. De modo análogo, obrigar todo jovem a se alistar quando faz 18 anos parte de dois princípios:
(i) De que a imensa maioria dos jovens não tem vontade própria nem predileção pela carreira castrense e ainda, deve odiá-la.
(ii) De que as forças armadas prescindem de um jovem qualificado que vê na carreira um atrativo suficientemente interessante para seguir adiante, com vocação e empenho. Em outras palavras, o jovem que segue carreira militar é nivelado por baixo neste tipo de mito.
6) O orçamento militar do Brasil é baixo. Depende. Em termos absolutos, não, mas em termos relativos (a seu PIB), realmente, é baixo. Ocorre que enquanto os EUA gastam cerca de 40% do orçamento destinado aos militares com pagamento de pessoal, pensões e saúde, no Brasil, esta soma supera os 80%.
7) Seria mais útil que as forças armadas combatessem o crime organizado. Além das questões institucionais envolvendo a atuação do Exército no combate ao tráfico de entorpecentes, p.ex., como quem definiria estratégias e a hierarquia entre as forças armadas e as polícias estaduais há a falta de treinamento de soldados para atuação frente aos civis. Além disto, existe o risco, não desprezível de contaminação das forças militares pela corrupção que se não é mitigada pelas próprias polícias, não há garantia de que não seja pelo Exército. Se algo tem que ser feito, tem que ser por quem conhece o problema de perto e vive, diariamente, com ele. Outro dado importante é que seria uma questão de tempo para o crime organizado se adaptar, voltando às ruas tão logo a situação se normalizasse, impondo assim a necessidade de um permanente Estado de Sítio.
8) As forças armadas deveriam se voltar para projetos duradouros e de prazo incerto, como o desenvolvimento científico-tecnológico. Este mito parte do princípio de que as forças armadas não precisam de armas de dissuasão imediatas. Se o ciclo de desenvolvimento do enriquecimento de urânio não foi capaz de se concretizar após 30 anos de seu início, o que dizer de outros que ainda podem ser aventados? Tais projetos têm que ser paralelos à substituição de armamentos, mas não substitutos da importação de armamento convencional e estratégico.
9) Nossa política externa de um “país periférico” tem que ter a paz por objetivo e o uso das forças armadas deve garanti-la. Por mais dignas que sejam as ações militares em missões de paz, não bastam para ocupar as funções militares. E se almeja com isto garantir um assento no Conselho de Segurança da ONU está se descartando a importância da força dissuasiva que só compete às forças armadas. Há neste mito, um link bastante evidente com o outro mito de combate interno ao crime. Só que este tipo de função, quando corriqueira enfraquece a especialização militar na defesa do território e o objetivo de equilíbrio militar continental.
10) As questões militares não são urgentes nem prioritárias. Não são opositores anti-militaristas que propagam este mito, mas de alguns militares que rejeitam a criação de um Ministério da Defesa e não querem nenhum tipo de interferência civil em seu estamento. A própria concepção atual de “guerra em redes” demanda uma maior integração dos serviços de inteligência para operacionalização da defesa. Quando grupos como MST, MAB e braços externos como a Via Campesina e instituições como a ONU ameaçam a soberania nacional, se faz urgente uma ampla estratégia de dissuasão que combine a diplomacia e a força bruta.