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a.h

Sunday, November 27, 2005

América Latina 1

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25.11.05


O desafio da América Latina: aprender a concorrer*
___ Andrés Oppenheimer

Já na metade da primeira década do século 21, dois estudos de fontes completamente distintas – um do tradicional think-tank da CIA, o outro do socialista Rolf Linkohr, presidente da Comissão de Assuntos da América do Sul do Parlamento Europeu – chocaram os raros latino-americanos que tiveram a chance de lê-los.

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Ambos os estudos contradizem a opinião dominante na América Latina de que a região está usufruindo de uma saudável recuperação depois de três anos de forte crescimento e de que ela tem à frente um futuro promissor.

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E ambos chegam à mesma conclusão: a região se tornou irrelevante no cenário mundial e – se continuar na atual trajetória – tornar-se-á ainda mais irrelevante lá pelo ano 2020.

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Na nova economia global, em que os países que produzem bens sofisticados têm renda muito maior do que aqueles que vendem matéria-prima, “quase nenhum dos países latino-americanos estarão aptos a investir seus já escassos recursos em pesquisas importantes e em projetos de desenvolvimento” necessários à produção de bens de maior valor agregado, afirma o Departamento Nacional de Informações da CIA (National Intelligence Council). Apenas 1 por cento do investimento mundial em pesquisa e desenvolvimento vai atualmente para a América Latina, em contraste com os 27 por cento que vão para a Ásia. E é improvável que o número crescente de governos populistas na região atraia investimentos estrangeiros em pesquisa e desenvolvimento, ou na reforma de seus obsoletos sistemas de educação para a criação de mão-de-obra altamente qualificada que possa concorrer em melhores condições com a China, Índia ou Europa Oriental.

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Como resultado, a probabilidade é que a América Latina fique cada vez mais para trás do resto do mundo em desenvolvimento, concluem os relatórios dos analistas da CIA e de Linkohr.

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Será que os futurologistas da CIA e do Parlamento Europeu estão corretos? Ou estão tão cegos pelo grande desenvolvimento econômico da China que não conseguem enxergar além das manchetes do dia?

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E os líderes da América Latina estão certos em se manterem cada vez mais distantes das receitas do livre comércio praticadas pelos EUA que muitos países latino-americanos adotaram nos anos 90, ou eles exageram nas estórias que contam a seus povos ao proclamarem que o capitalismo absoluto é ruim para seus países?

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Ao longo de dois anos até recentemente em 2005, viajei por alguns dos países que obtiveram maior sucesso na redução da pobreza – como a China, Irlanda, Espanha, Polônia e República Tcheca – e por alguns dos mais problemáticos países da América Latina – como Venezuela, Argentina, Brasil e México – tentando encontrar respostas a estas perguntas. Entrevistei suas principais lideranças, políticos da oposição e o cidadão comum para saber como seus países podem ter maior prosperidade e redução da pobreza na nova economia global. E um dos assuntos que eu mais pesquisei – e onde encontrei as mais chocantes diferenças entre a Ásia, Europa Central e América Latina – foi o da educação, ciência e tecnologia.

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De todas as pessoas com quem estive em Beijing, inclusive do alto escalão do governo e membros do Partido Comunista, a que mais me impressionou foi Xue Shang Jie, um garoto de 10 anos que encontrei na escola particular Boya, de apoio ao aprendizado de inglês e matemática.

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Eu estava fazendo uma pesquisa a respeito da decisão da China de tornar obrigatório o ensino de inglês para todas as crianças a partir do terceiro ano da escola elementar. Escrevi uma coluna dizendo que 250 milhões de crianças chinesas estavam para começar estudo intensivo de inglês - o que significa que mais crianças chinesas estariam estudando inglês do que crianças americanas – e eu queria ver isso com os meus próprios olhos. Então fui visitar a Boya School uma noite, lá pelas seis e meia, e logo fui autorizado a assistir a uma aula de inglês. Quando entrei na sala, as crianças reagiram com surpresa, risinhos e abaixando a cabeça em cumprimento de boas-vindas. Mais de doze crianças estavam sentadas nas primeiras fileiras enquanto homens e mulheres nos seus 60 e 70 anos – obviamente, seus avós – estavam sentados atrás, fazendo palavras-cruzadas ou lendo revista.

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Logo percebi um menino excepcionalmente inteligente na primeira fileira. Usava enormes óculos, um sorriso inteligente, e falava inglês fluente. Mais tarde, fiquei sabendo pelo professor que o nome dele era Xue. Ele não precisava de aula de apoio em inglês, mas estava cursando porque queria melhorar seu desempenho escolar e se preparar para a Olimpíada de inglês e matemática de seu país.

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No início, pensei que Xue fosse filho de diplomatas que tinha aprendido o inglês no exterior. Mas não podia estar mais enganado: seu pai era um oficial de nível médio do Exército de Libertação do Povo, e sua mãe, uma funcionária. Eram da classe média e nunca tinham vivido fora da China.

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‘Como é que é o seu dia?’ Perguntei a Xue.

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Ele me contou – num inglês fluente – que acordava às 7 da manhã, ia para a escola às 8 e estudava até as 3 ou 4 da tarde, dependendo do dia da semana. Então, fazia os deveres de casa na escola, sob supervisão, até as 6 da tarde, quando seu pai o pegava. Da escola iam duas vezes por semana para a Boya School para aulas de inglês e matemática. Ele também tinha aulas particulares de apoio aos sábados e domingos.

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‘Podia assistir à TV quando chegasse à casa durante a semana?’, perguntei. Se tivesse tocado piano e terminado o dever de casa lá pelas 9 da noite, poderia ver TV por meia hora, disse. ‘E você gosta de estudar tanto assim?’, perguntei. ‘Sim’, respondeu, sorrindo outra vez. ‘É muito interessante. E se eu estudar bastante, meu pai me dá um brinquedo.’

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Surpreendentemente, enquanto a China começou a ensinar inglês em todas as escolas públicas a começar do terceiro ano, quatro horas na semana, nenhum dos principais países latino-americanos sequer chega perto disso. O Chile, em 2005, adotou o inglês como matéria obrigatória na quinta série, duas horas na semana. No México, as escolas administradas pelo governo na maioria dos estados começam a ensinar inglês na sétima série, duas horas na semana. Por mais estranho que pareça, as crianças chinesas – que têm um governo comunista e um alfabeto completamente diferente – estão estudando inglês muito mais cedo e muito mais intensamente que seus equivalentes latino-americanos, muitos dos quais moram perto dos EUA, têm o mesmo alfabeto de sues vizinhos norte-americanos e cresceram assistindo a filmes de Hollywood.

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Por que as crianças na Ásia estudam mais inglês dos que as latino-americanas?, perguntei em Beijing, Washington, Cidade do México e Buenos Aires.

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Muitos especialistas me disseram que se trata de um fenômeno cultural que tem a ver com a filosofia de Confúcio que enfatiza a educação. Outros disseram que tem a ver com a revolução capitalista da China que está levando os pais a investirem mais na educação das crianças porque sabem que – com o abandono das políticas socialistas de pleno emprego – é o único meio pelo qual conseguirão um bom trabalho num mercado dominado pelas empresas particulares. E no caso da China, isso se deve também à controvertida política de um só filho, o que freqüentemente resulta em dois pais e quatro avós investindo na educação de uma só criança.

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Mas muitos educadores chineses e latino-americanos mostraram um outro fator: as escolas asiáticas têm a “cultura da avaliação” que quase inexiste nos sistemas de ensino público da América Latina.

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‘Na América Latina, os sistemas de ensino têm o foco na quantidade e não na qualidade,’ afirma Jeffrey Puryear, um especialista em educação da América Latina junto ao Inter-American Dialogue, um think tank baseado em Washington, D.C.

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Quando perguntei ao ministro da Educação da Argentina, Daniel Filmus, se ele concordava com essa premissa, ele disse que sim. ‘Nos últimos 30 anos, a Argentina não teve uma cultura da excelência, nem uma cultura do esforço, nem uma cultura do trabalho tenaz. Ao invés disso, nossa cultura tem sido a de facilitar o caminho e tentar passar de ano, ao invés de buscar a excelência através do esforço, de muito trabalho e da pesquisa. Nosso maior desafio é como introduzir uma cultura da qualidade na educação.’

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Em lugar nenhum a ausência de controles de qualidade é mais evidente do que nas maiores universidades estatais da América Latina, incluindo-se algumas das mais conhecidas da região como a National Autonomous University (UNAM), do México, com 269 mil alunos, e a Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina, com 152 mil alunos.

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Enquanto isso, na China, há um exame nacional de vestibular para todas as universidades que dura dois dias inteiros, realizado por seis milhões de estudantes todos os anos. Cerca de 40 por cento deles não têm êxito e são descartados do sistema universitário. E os 60 por cento que conseguem entrar no sistema universitário são classificados, indo os de melhor pontuação para as melhores universidades. As universidades estatais da China cobram uma taxa de ensino da ordem de 550 dólares por ano, uma fortuna para os padrões chineses. Só aqueles que provam que não podem pagar recebem bolsa de estudo.

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As taxas de ensino ajudam a China – onde o governo gasta comparativamente menos que a maioria dos países da América Latina em educação universitária – a financiar universidades de primeira categoria: de acordo com uma classificação do London Times das 200 melhores universidades do mundo, a Universidade de Beijing está em 17º lugar, enquanto a melhor das universidades latino-americanas, a UNAM, fica em 195º lugar.

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E enquanto as universidades asiáticas e da Europa Oriental estão graduando grande número de engenheiros, cientistas e técnicos, as universidades da América Latina estão produzindo números recordes de psicólogos e sociólogos. No México, um país exportador de petróleo, a UNAM produz 15 vezes mais psicólogos do que engenheiros de petróleo. Um total de 620 psicólogos se formam todo ano, em contraste com os 40 engenheiros de petróleo. Na Argentina, um país que se apóia basicamente na exportação agrícola, a UBA produz 1.300 psicólogos – e apenas 173 graduados em ciências agrícolas – por ano.

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Ministros e especialistas em educação em toda a América Latina me disseram que podem fazer muito pouco para mudar o sistema: suas grandes universidades estatais são constitucionalmente autônomas e dirigidas pela velha guarda dos sindicatos de esquerda. Em sua origem, a autonomia política foi concebida para evitar que os governos tolhessem a liberdade acadêmica. Mas, ao longo dos anos, ela se tornou um abrigo para sindicatos de professores e funcionários bem entrincheirados que resistem a qualquer mudança.

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‘Nos sistemas de ensino da América Latina, não há, virtualmente, sentido de responsabilidade,’ afirma Puryear, do Inter-American Dialogue. ‘Você pode ter bons ou maus professores, mas isso não faz nenhuma diferença: nem você perde seu emprego por um mau desempenho, nem ganha uma promoção por seu bom desempenho.’

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Será que a América Latina está destinada ao fracasso na disputa por competitividade?

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Não necessariamente.

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Há exemplos promissores na região: no Brasil, a EMBRAER, fábrica de aeronaves, está exportando jatos de 110 lugares para a Jet Blue, Air Canada, Saudi Arabian Airlines e diversas empresas aéreas importantes em todo o mundo. Na Costa Rica, as exportações da fábrica Intel de microprocessadores já representa 22 por cento de sua receita de exportação. A cerveja Corona e a Cemex, império do cimento, estão ganhando mercado em todo o mundo. O Chile e a Argentina estão exportando muitas variedades de excelentes vinhos.

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Mas essas são exceções à regra. De um modo geral, a América Latina continua a ser um exportador de matéria prima.

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No caso da América do Sul, os principais países têm 80 por cento de sua renda de exportação dependente de matéria prima. Se os países da região implementassem reformas bastante simples – incluindo-se uma reforma no sistema de ensino – poderiam rapidamente reduzir a pobreza e obter mais elevados padrões de vida, como a China, Índia e outros países fizeram. Se eles não fazem isso, é porque muitos de seus líderes estão mais interessados em vender ideologias vazias do que em reduzir a pobreza.

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Fonte: Miami Herald ; divulgado por e-mail no Boletim de Notícias semanal do Hispanic American Center for Economic Research – HACER.

* Sumário traduzido [para o inglês] do novo livro de Andrés Oppenheimer, Cuentos Chinos: El engano de Washington, la mentira populista y la esperanza de América Latina (Sudamericana, 2005: $24.95). Em inglês, numa tradução livre, o título pode ser “Tall Tales: Washington’s Deceit and Latin America’s Populist Charade.”

Nota do IL: a tradução para o português foi feita a partir do inglês.

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