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O presente blog, Geografia Conservadora servirá mais como arquivo e registro de rascunhos.
a.h

Saturday, December 17, 2005

Energia: petróleo

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O ouro negro

por Rodrigo Constantino em 16 de dezembro de 2005
Resumo: Não será surpresa se o barril de petróleo ultrapassar os US$100 em breve.
© 2005 MidiaSemMascara.org



"My crispest conclusion is this: it is virtually impossible for Saudi Arabia ever to produce the 20 to 25 million barrels a day envisioned by the forecasters."
(Matthew Simmons)


Desde que Edwin Drake fez a primeira perfuração bem sucedida na Pensilvânia em 1859, o petróleo tem sido o recurso mais fundamental do mundo industrializado, deixando o carvão para trás. Seu domínio já dura mais de um século, sem parecer ameaçado no futuro visível. Entretanto, existem riscos do lado da oferta, que pode estar chegando ao seu pico, enquanto a demanda continua crescente, principalmente pelos novos consumidores, como os colossos China e Índia. Essa combinação entre demanda crescente e oferta limitada poderá jogar o preço do petróleo nas alturas. O movimento já pode ter começado, tendo o preço do barril triplicado desde 2002. Talvez o mundo tenha que aprender a conviver com novos patamares de preço do petróleo.
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Vale antes um caveat: tentar prever o preço do petróleo ou o declínio da sua produção é uma tarefa quase impossível. No excelente livro The Prize, onde Daniel Yergin faz um relato brilhante da história dessa commodity, vemos que ainda no século XIX alguns “especialistas” alertavam para a queda iminente e vertiginosa da produção de petróleo. Erraram feio! Especialistas com PhD e CEOs de empresas vivem errando em suas previsões. Esse é o ponto que concede algum conforto, pois veremos adiante que os riscos de um declínio na produção mundial de petróleo são concretos.
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As informações a seguir vêm principalmente do livro Twilight in the Desert, de Matthew Simmons, um especialista da indústria de energia com MBA em Harvard. É consenso na indústria que a Arábia Saudita possui capacidade ociosa e poderá sempre servir como fiel da balança no setor, suprindo a demanda não atendida. O ponto que Simmons chama a atenção diz respeito justamente a esta crença, baseada mais no desejo que nos fatos. Veremos de forma bastante simplificada suas principais conclusões.
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Em primeiro lugar, há muito pouca informação confiável e disponível do setor petrolífero da Arábia Saudita, que responde por cerca de 13% da produção mundial de petróleo. Os relatórios por campo deixaram de ser publicados há mais de duas décadas. A transparência vem desaparecendo, e uma camada de segredo esconde os principais dados da Aramco, estatal responsável pelo petróleo. Os poucos dados disponíveis, entretanto, apontam para inúmeros problemas nos principais campos do país, mas são largamente ignorados pelos analistas. Declarações de funcionários do tempo em que a Aramco pertencia às empresas estrangeiras corroboram com a visão de que podem existir diversos problemas de produção na Arábia Saudita. Entrementes, a Aramco publica ter mais de 250 bilhões de reservas provadas, valor estável por 17 anos, período no qual o país produziu quase 50 bilhões de barris de petróleo. Como pode, sem nenhuma grande descoberta nova? Em 1977, a empresa reportava 100 bilhões de barris de reservas. Em 1979, ela foi totalmente nacionalizada, e deixou de reportar os dados por campo. Entretanto, em 1988 a empresa reportava um aumento de 100 bilhões de barris nas reservas. Como confiar nesses números?
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Em segundo lugar, algo como 90% de todo o petróleo produzido na Arábia Saudita veio de apenas 7 campos gigantes, e todos eles estão maduros e velhos, mas ainda são responsáveis pela mesma parcela da produção total. Os dois maiores, Ghawar e Safaniya, produzem cerca de 75% do total. Vários campos menores foram descobertos ao longo dos anos, mas nenhum chegou a produzir enormes quantidades de petróleo. Isso a despeito dos pesados investimentos do reino, sempre utilizando tecnologia do estado da arte. A verdadeira história do petróleo na Arábia Saudita difere bastante da sabedoria popular. Desde a década de 1970, nenhum grande campo promissor foi descoberto, mesmo com muita dedicação e investimento por parte da Aramco.
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Outro problema é o uso da injeção de água para manter elevadas pressões nos poços. O país iniciou este experimento em 1956, conseguindo eliminar o problema da capa de gás que se forma no topo do poço e mantendo o fluxo de petróleo elevado. Entretanto, tal esforço não vem sem custos. A super produção pode levar ao declínio da capacidade produtiva mais rapidamente. A corrosão é outro problema. Como os donos estrangeiros da Aramco sabiam das intenções do governo de comprar suas participações, podem ter acelerado o uso dos campos para extrair o máximo de petróleo no menor tempo possível. Em menos de uma década, a produção de petróleo na Arábia Saudita cresceu por um fator de 4! Não há nada similar na história do petróleo mundial. As conseqüências desse abuso ainda são desconhecidas.
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Em 2004, a Saudi Aramco revelou seus planos para investimentos em exploração e produção de petróleo, e o orçamento até 2007 projetava US$18 bilhões de gastos, um aumento de um terço frente ao gasto médio dos últimos 10 anos. Tais investimentos, entretanto, não buscam o aumento da produção, mas apenas repor a capacidade perdida. Informações fragmentadas como esta, se compiladas e concatenadas por um cético, podem levar à conclusões alarmantes. No restante da península árabe, incluindo Yemen, Oman e Emirados, a exploração tem sido intensa, sem muito sucesso na descoberta de novos campos. O mesmo ocorre com Jordânia e Irã. O rei dos reis, Ghawar, que já trouxe ao mundo algo como 55 bilhões de barris de petróleo, foi descoberto em 1948, seguido pelo Abquaiq 8 anos depois. Desde 1968, entretanto, nenhum campo de peso foi encontrado na Arábia Saudita. O pico de produção do Ghawar se deu em 1981, quando foram produzidos 5,7 milhões de barris diários.
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Um estudo comparativo feito com outros grandes campos de diferentes países mostra um certo padrão na curva de produção. Eventualmente, todos atingem o pico! Na média, a produção cai pela metade, pelo menos, nos 10 anos após o pico. Foi assim na Rússia, no Mar do Norte, no Irã, enfim, na grande maioria dos casos. Quando os soviéticos expandiram a produção de forma agressiva, dobrando o volume entre 1978 e 1988, a queda foi drástica depois. A produção total caiu de 12,2 milhões de barris diários em 1989 para 7,1 milhões 7 anos depois. Até quando o rei Ghawar irá agüentar manter seu ritmo de produção em torno de 5 milhões de barris diários? É uma incógnita...
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Sobre os combustíveis alternativos, não cabe um aprofundamento aqui. No livro The Oil Factor, Stephen Leeb dedica um bom espaço para defender sua teoria de que não temos substitutos viáveis no curto prazo. São inúmeros problemas em cada um deles, tanto técnicos como comerciais. Energia solar, nuclear, cada uma encontra infinitas barreiras pela frente, não representando um plano B viável. Simmons concorda que um dos maiores riscos atualmente é a ausência desse plano B, de uma alternativa. Ambos acreditam que o petróleo, no médio prazo, tem uma só direção. Vai subir! Sem falar dos riscos de uma guerra nova, envolvendo o Irã, por exemplo. E destacando que a maior parte dos países produtores de petróleo contém problemas políticos, como Nigéria e Venezuela, sem falar do Oriente Médio. Riscos de rupturas nesses países não devem ser descartados.
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Não quero ter a pretensão de acertar o preço futuro do petróleo, que chegou a bater em US$70 por barril recentemente. Mas juntando os dados que li nos diferentes livros, não ficaria nada espantado se visse o petróleo acima de US$100 por barril em breve. Muitos outros fatores podem alterar radicalmente este cenário. Porém, estou bastante convencido de que, ceteris paribus, entramos em uma era de novo patamar de preço para o ouro negro.

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Rodrigo Constantino é economista pela PUC-RJ, com MBA de Finanças pelo IBMEC. Trabalha no mercado financeiro desde 1997. É autor dos livros "Prisioneiros da Liberdade" e "Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT", ambos pela editora Soler.
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