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Friday, November 04, 2005

A transposição do rio São Francisco

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por Mário Ivan Araújo Bezerra em 03 de novembro de 2005
Resumo: Depois de quase dois séculos de debates sobre a transposição do rio São Francisco, não há mais o que debater. A hora é de fazer.
© 2005 MidiaSemMascara.org

Mais uma vez, a sonhada transposição das águas do rio São Francisco é postergada, dessa vez em virtude da greve de fome do bispo de Barra/BA. Enquanto isso, mais e maiores empreendimentos são criados contando com a utilização do generoso “rio da integração nacional”. A persistirem as tendências atuais, dentro de mais alguns anos os estados do Nordeste Setentrional terão de se contentar apenas com uma torneira de meia polegada.

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Devo dizer, de início, que nunca concordei com o que chamam de “transposição” do rio São Francisco. “Transposição” significa tirar o curso d’água – ou sua maior parte – de sua posição natural e levá-lo para outra. Não é disso que os estudiosos do assunto tratam, mesmo porque tal trabalho implicaria indiscutivelmente uma tremenda catástrofe sob os pontos de vista ecológico, político e econômico. Bem melhor fariam os defensores da idéia se falassem apenas em “captação das águas do São Francisco”. Assim, não assustariam as populações ribeirinhas nem despertariam sua imediata e feroz reação.

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Na década de 90, quando comandei o 1º Grupamento de Engenharia de Construção (João Pessoa/PB), fiz questão de ir à sede do DNOCS, em Fortaleza, para tomar conhecimento do projeto da grande obra, que diziam ser “faraônica”. Lá, fiquei sabendo que não havia apenas um, mas vários projetos e que a última versão custara 10 milhões de dólares. Ora, tal circunstância é de se esperar num país em que obras desse porte são tratadas quase sempre com interesse político-eleitoral. Se um projeto é elaborado e não é executado de imediato, o ambiente sócio-econômico se altera com o tempo e, evidentemente, após alguns anos tudo necessita ser refeito. A importância paga pelo estudo, entretanto, pareceu-me exagerada. E fiquei imaginando quantos projetos já teriam sido pagos ao preço de US$10 milhões... E é importante lembrar que o projeto de hoje não é o mesmo que vi em 1995.

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Quanto à classificação de empreendimento “faraônico”, quero dizer que discordo totalmente dessa adjetivação. Um país que já construiu Itaipu – e tão bem – não pode considerar faraônica uma obra de uns poucos bilhões de dólares. Pensar dessa forma é pensar pequeno demais. A verdade, que ninguém quer dizer, é que a obra nunca saiu do papel por razões políticas. Ou será que já saiu?

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Quem visita o vale do São Francisco, quem conhece as usinas que geram a energia elétrica que alimenta o Nordeste, quem já viu as monumentais obras de irrigação na margem pernambucana, quem já constatou o valor econômico de sua navegação e de sua fauna sabe muito bem que aquele potencial está prestes a se esgotar. Essa é a verdade. Hoje não é mais possível retirar um grande volume de água para abastecer as bacias hidrográficas da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Os cearenses sabem disso e já se estruturaram para resolver seus problemas com os recursos que a natureza lhes deu. Lá, não existe a paixão com que vejo o tema ser tratado na Paraíba. Lá, eles não estão parados, esperando pela água que não sabem se vem.

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Os estados que são banhados pelo rio têm se empenhado – com justa razão – no aproveitamento de seu potencial. Além da judiciosa exploração de sua capacidade de geração de energia elétrica – motivo de orgulho da engenharia brasileira – enchem nossos olhos as culturas de soja surgidas a partir da cidade baiana de Barreiras e as exitosas fruticulturas do sertão pernambucano, entre Petrolina e Petrolândia. Nossos aplausos para essa capacidade empresarial. É evidente, todavia, que está na hora de realizar um balanço de tudo o que foi feito e pensar seriamente na preservação ecológica do manancial, a fim de evitar prejuízos às demais atividades, principalmente as que afetam os estados de Alagoas e Sergipe. Nesse sentido, muitos estudos já foram realizados e diversas obras já foram iniciadas com vistas à revitalização do rio.

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Não é o caso, todavia, de retardar ainda mais o projeto de captação de águas para os estados do Nordeste Setentrional, projeto esse que já foi extremamente prejudicado pela demora na execução, o que, como foi dito, exigiu numerosas reformulações, sempre acompanhadas de redução da vazão a aduzir. O projeto atual – cujo aspecto técnico não convém aqui discutir – foi elaborado no governo anterior, pelo preço de R$40 milhões e, além de prever o abastecimento de municípios pernambucanos, inclusive Recife, estabelece que serão transportados, em regime contínuo, 26 metros cúbicos de água por segundo para os estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, o que, diga-se de passagem, permitirá apenas o abastecimento para consumo humano. É importante frisar que não estamos falando em irrigação.

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Para que o leitor possa fazer comparações, adianto que a vazão do São Francisco no local onde se pretende fazer a captação é da ordem de 2.100 metros cúbicos por segundo. Acresça-se, a tudo o que foi dito, que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi devidamente aprovado pelos órgãos competentes. Em outras palavras, não há mais o que se estudar.

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Assim sendo, a minha geração, que construiu Itaipu, a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, a usina de Tucuruí e tantas outras obras compatíveis com o tamanho do país, não compreende um Brasil que, por incompetência, incúria ou ideologia, não consegue sequer fazer a manutenção do patrimônio que recebeu e que se engasga com um trabalho do porte dessa malsinada captação de águas, orçada em 4,5 bilhões de reais, ou seja, menos de 2 bilhões de dólares.

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Os de minha geração anseiam por ver um Governo capaz de conduzir seu planejamento estratégico com determinação, apesar das greves de fome. Depois de quase dois séculos de debates, não há mais o que debater. A hora é de fazer. Afinal, o rio da integração nacional precisa integrar ao país o Nordeste Setentrional... antes que seja tarde demais.

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O autor é General de Divisão Reformado.

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