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a.h

Tuesday, May 22, 2007

O Meio Ambiente e o Iluminismo







Gosto muito do Roberto DaMatta. Neste texto, o autor fala de um tema raro em suas análises: o meio ambiente. Confesso que deixou a desejar, principalmente no que tange ao ambiente mesmo. Há um certo tom catastrofista que considero mais sensacionalista que, verdadeiramente, científico ou filosófico (de qualidade). No entanto, há excelentes insights, principalmente no que toca às ideologias que se disseminaram a partir do século XIX e suas influências no século XX e atual. Vale a leitura, claro.

a.h






O Desastre Ecológico e a Ideologia Moderna

De fato, vejam o contraste. O século XVIII foi o momentoso tempo das Luzes. Das iluminações que aclararam a consciência humana, consolidando a perspectiva cientifica do mundo quando descobriu as “leis imutáveis” da natureza e, por meio delas, as previsões que foram tão básicas na fabricação dessas máquinas que ampliaram e prolongaram os nossos sentidos e o nosso corpo. O século do Iluminismo foi também a ocasião na qual a escuridão da magia e da superstição teriam sido desbancadas pela luminosa aplicação da ciência natural aos costumes e valores sociais. Esse foi o momento onde a nova postura diante do mundo tomou um impulso inusitado graças a postulação da idéia de uma natureza humana duplamente independente. De um lado, de Deus; do outro, e de uma natureza inteiramente diferenciada da sociedade. Domínio inesgotável, a ser infinitamente explorado pelas novas técnicas que eram o fruto concreto das idéias científicas e que foram responsáveis por um conjunto de extraordinárias transformações materiais e morais no seio da sociedade. Agora existia natureza e sociedade e, na sociedade, religião e política como esferas separadas. Um dos resultados do Iluminismo foi a idéia de que o Paraíso poderia ser construído neste mundo e não mais encontrado após a morte num outro mundo. Foi essa idéia fundamental que, como demonstrou Weber, fez com que fossem liberadas todas as energias sociais com o advento e a hegemonia do Calvinismo como responsável pelo quadro de valores do capitalismo e do mundo por ele criado. O século XIX e o XX foram deram seguimento, aprofundando e consolidando essas novas perspectivas no plano político e social.


Não preciso lembrar que foi esse período que consolidou e tornou popular, senão trivial, a idéia de modernidade e, com ela, a de que os indivíduos poderiam romper com o todo (a sociedade) de modo a fazer valer os seus interesses, obter justiça ou alcançar a felicidade, essa base da noção ocidental de revolução. Este foi o momento em que aplicou-se a sociedade aquilo que se havia descoberto pelo estudo da natureza. O resultado acumulado, apesar de todos os seus desastres e tragédias (autoritarismo, comunismo, fascismo, racismo e holocausto, provas de que planejamento racional do futuro seria possível e conseqüências da racionalidade da qual resultava esse planejamento), persistia. Havia um elo de continuidade dentro do quadro de valores do Ocidente iluminado pelo Iluminismo que atravessou todos os experimentos sociais e políticos tanto do século XIX quanto do século passado.

Mas o século passou e as crises anunciadas, como a de uma Terceira Guerra Mundial se desfizeram. Desapareceu o Dr. Strangelove e, com ele, as promessas de uma inevitável conversão ao socialismo totalitário. Realmente, em vez do triunfo de uma sociedade finalmente administrada pela racionalidade do princípio segundo o qual, cada homem de acordo com suas necessidades, o que testemunhamos foi um tremendo desmascaramento orweliano. Desmanchou-se a União Soviética; descobrimos os horrores do Stalinismo e do Maoísmo; e, pior que isso, emergiram como potências nações orientais que na imaginação Iluminista jamais seriam capazes de dominar a racionalidade necessária ao comando da indústria e da comunicação em larga escala. Os perdedores da segunda guerra mundial, o Japão e a Alemanha, foram os grandes vencedores. Em seguida, o socialismo burocrático e da nomenclatura, caiu com o Muro de Berlim.

Tal consciência nos leva (e esse é um tema básico para reflexão do Planeta Sustentável) a uma imediata e necessária reformulação não só das agressões aos recursos naturais como objetos passivos e inermes, mas da velha e fundamental dualidade entre natureza e cultura; entre animais e homens para que se possa efetivamente salvar o planeta e, com ele (isso ninguém diz), salvar a humanidade! Ou seja, a ideologia individualista que nos controla debaixo do epíteto chamado “ideologia moderna” tem hoje que se haver com os efeitos de suas postulações. Com as conseqüências inesperadas e, como dizia Weber, não previstas de seus atos que, sempre implicam como sabemos mas não gostamos de aquilatar, outras pessoas, grupos, sociedades, bem como os seus próprios limites. No mercado, o preço e o lucro (ou o prejuízo) são os limites; na vida social, o limite é a consciência da interdependência entre sistemas, é o resultado irracional que transforma a razão utilitária (obter lucro, ganhar competitividade, ser o melhor, etc...) e máquinas de destruição.

Em outras palavras, devemos voltar a escutar, como faziam nossos antepassados e como fazem os nossos índios e os “primitivos” em geral, os animais. Devemos voltar a pensar a sociedade não contra a natureza, mas com ela; e a natureza como sendo, ela mesma, um sujeito dotado de humanidade. Talvez depois de termos incessantemente naturalizado a sociedade através da crença na superioridade inata (natural e biológica) de certos grupos sobre outros, de termos justificado certas leis, práticas e costumes como sendo mais adequados porque seriam mais próximos da essência do DNA humano, tenha chegado o momento de pensar igualmente na humanização da sociedade. Numa visada pela qual se possa ultrapassar os limites da grande divisão entre natureza e cultura para que se possa ter um planeta capaz de sustentação. Essa sustentabilidade que obriga ouvir os animais, as plantas e, sobretudo aqueles que, melhor que ninguém, vivem esse equilíbrio entre seus valores e os da natureza porque, entre eles, a natureza integrada na sociedade (ou antropomorfizada) não é uma inimiga, mas faz parte de seus códigos e linguagens.
O desastre ecológico reintroduz no horizonte moderno o limite para a tese que a sociedade é o resultado de um contrato exclusivo entre indivíduos livres e exige repensar a prática da reciprocidade e da mutualidade entre pessoas e grupos e entre convenções e natureza. As brutais conseqüências de um estilo utilitário e comercial de exploração da natureza forçam-nos a reaprender a interdependência entre animais, montanhas, flores, florestas e sociedades. Como os primitivos, a humanidade pós-devastação ecológica (se houver uma), deverá incluir não apenas “homens”, mas também animais e espécies naturais, todos como cidadãos, senão como irmãos, em sua nova cosmologia. Como peças básicas, complementares e interdependentes, naquilo que antigamente se chamava da “grande cadeia dos seres”.

Cá estamos diante do sétimo ano do novo século e o que aparece diante de nós é o mais desolador prognostico de destruição. O bicho-homem, a espécie sem especificidade porque destituída de natureza, de programa geral e de instinto; o macaco nu, ornívoro, inventor da roda, da música, da piedade e da bomba atômica, que começou ceifando o mato em torno de suas cabanas e tendo construído a “aldeia global”, tem também liquidado o planeta por meio de uma exploração impiedosa de todos os seus domínios. A terra, antes tomada como mãe generosa pelo pensamento desdenhado como primitivo e mágico, foi finalmente modernizada. Ela é agora a propriedade privada de estados-nacionais (com suas novas magias de soberania nacional) e de companhias multinacionais (com seus índices sagrados de crescimento que rendem extraordinários e igualmente mágicos rendimentos).

*Antropólogo, escritor, Professor Emérito de Antropologia Social da Universidade de Notre Dame, Indiana, Estados Unidos e Professor de Antropologia da PUC do Rio de Janeiro. Cronista do jornal Estado de São Paulo e do Globo, consultor de empresas, presidente da DaMatta Consultoria. É autor de vários livros dos quais se destacam: Carnavais, Malandros e Heróis, A Casa & a Rua, O que faz o brasil, Brasil?, Conta de Mentiroso, Torre de Babel, (com Elena Soárez, Águias, Burros e Borboletas: um Estudo Antropológico do Jogo do Bicho). Seus últimos livros são: Tocquevilleanas: Notícias da América e A bola corre mais que os homens. Roberto DaMatta é membro da Academia Brasileira de Ciências e da American Academy of Arts and Sciences.


Palestra proferida na Cerimônia de Abertura do Projeto Planeta Sustentável, no dia 19 de abril de 2007, na Editora Abril, em São Paulo.



Data: 21/05/2007

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